quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

 

APOSENTADORIA DO JEGUE

Clerisvaldo B. Chagas, 10 de dezembro de 2020

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.432




Quando o, então, governador major Luís Cavalcante inaugurou a água encanada em Santana do Ipanema, mandou quebrar todas as cisternas da cidade. Dizia ele que jamais faltaria água nas torneiras residenciais. Muitos acreditaram nas palavras do homem que em meio ao discurso, completamente eufórico, intercalava    palavreado entre o sério e piadas populares conhecidas. Foi de fato um festão realizado no Bairro Monumento, onde o governador no palanque oficial de alvenaria sobre a sorveteria Pinguim, discursava com seus puxas-sacos. Se era para quebrar todas as cisternas da cidade, por consequência o ato de vandalismo proposto, atingiria indiretamente a aposentadoria de mais de cem jumentos que abasteciam as casas com água das cacimbas do rio intermitente Ipanema.

Não demorou muito após a festa e as reclamações sobre a falta do precioso líquido nas torneiras, iniciaram e foram se tornando rotina. Não sabemos se quem quebrou suas cisternas se arrependeram, mas os jumentos com suas cangalhas e ancoretas de madeira, despareceram das ruas de Santana. As cacimbas nas areias grossas do leito seco do Ipanema, perderam o zelo cotidiano dos seus usuários.

2021, mais de sessenta anos depois da inauguração da água, os problemas ainda se acumulam num sistema obsoleto da Companhia de Abastecimento de Água de Alagoas – CASAL. Atualmente é a ladainha de todos os dias nas rádios da cidade: apelos, denúncias, choros e desespero das donas de casa do sertão inteiro. Capelinha, povoado de major Isidoro, Areias Brancas, povoado de Santana do Ipanema, inúmeros sítios rurais e partes altas que compõem os bairros da cidade. Isso não aconteceu com a antiga Companhia Energética de Alagoas – CEAL.   A CASAL e sua parceira energética, são uma junta de bois em que um puxa o carro, o outro se escora no cabeçalho.

Nem cacimba, nem jegue, nem cisterna...

VÁ EM CONVERSA DE GOVERNADOR!!!

Botador d’água e seu jumento em cacimba do rio Ipanema, na década de 60 (Foto: Livro 230/domínio público).


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terça-feira, 8 de dezembro de 2020

 

OS CAMPINHOS

Clerisvaldo B. Chagas, 9 de dezembro de 2020

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.431

 


             A tensão social é carga pesada, principalmente na periferia de cidades médias e grandes. Não falta o lazer para os ricos e os metidos, com seus teatros, cinemas, bons restaurantes e uma porção de coisas mais que afastam o tédio da “nobreza”. Para pobres e remediados das periferias ou o tráfico ou o futebol. Aquele futebol de bola de meia ou de verdade, em campinhos de várzeas, de monturo, arranca toco, careca e bruto. Pelos menos vai levando a esperança de ganhar a vida com a bola e fazendo esquecer o oco alimentar da moradia. Em nossos sertões a realidade não é diferente, daí a necessidade de se olhar em redor e dá o mínimo de conforto aos lugares carentes também de diversões como os chamados campinhos de futebol.

Em Santana do Ipanema, por exemplo, tínhamos três lugares onde a bola rodava e as garras do mundo eram esquecidas. No trecho urbano do rio Ipanema, quando seco, o poço do Juá, os areais próximos as olarias e a barragem assoreada, sempre foram celeiros de atletas que iam galgando degraus pelo Ipiranga, Ipanema... Conseguiam chegar ao CSA ou CRB, na capital, e até alçar voos mais altos com aterrissagem no Santos ou no Vasco da Gama. Isso aconteceu antigamente com vários atletas de campinho de areia do leito seco do Ipanema e até com jogadores recentes saídos desses campinhos que estão brilhando no Sudeste do país. Sonhos realizados, marginais a menos na sociedade, mais alimentos à mesa e pais vivendo com dignidade.

Não somente Santana, mais município como Olho d’água das Flores, São José da Tapera, Pão de Açúcar e Ouro Branco, entre outros, já tiveram a felicidade de aplaudir e louvar filhos da terra que venceram em clubes grandes do Brasil. Reconhecemos também as fabriquetas de calçados da cidade que produziam sapatos e craques de várzeas. Nunca vimos profissionais gostar tanto de futebol quanto os sapateiros da “Capital do Sertão”. Continuamos defendendo os campinhos construídos pelo poder público que pode transformar a vida nas periferias, espantando indiretamente o psicólogo, o marginal e o divã.

Sua sociedade é a sociedade que você cria.

 ESTÁDIO ARNOS DE MÉLLO, EM SANTANA DO IPANEMA (FOTO: LIVRO 230/B. CHAGAS).

 


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