quarta-feira, 17 de março de 2021

 

JUMENTO CANINDÉ E COLOLÔ

Clerisvaldo B. Chagas, 18 de março de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2. 491





 

Passamos do dia 15. No sertão se diz: “Mês miou mês findou”. A frase é usada pelos menos instruídos que usam miou no lugar de meiou. E agora que o mês “miou”, passa um bando de aves voando em direção leste e nós logo achamos que elas estão indo em direção ao açude do Bode, na periferia da cidade. O espanta-boiada ou tetéu, em outros lugares chamado quero-quero, gosta muito de mudanças de tempo e frequentam os arredores de rios, lagoas e açudes, embora façam seus ninhos em lugares altos. Ainda madrugada revoam em alaridos anunciando a proximidade da aurora. O espanta-boiada é cheio de histórias, assim como outras aves que metem medo e estão enraizadas no folclore das superstições e das certezas. Não são muito apreciadas pelo povo e servem de apelidos para muita gente feia.

Entre as aves lúgubres do Sertão, apresentam-se a coruja, o caboge, o caboré, o bacurau e o cololô, entre outras. Algumas são parentes entre si e hoje em dia nem os dicionários registram mais nomes já consagrados pelo povo. Lembro-me que fui com o Cololô pegar uma carga de palma no sopé da serra Aguda. Eu, pré-adolescente, Cololô, filho de um nosso empregado rural. O transporte era um jegue da raça Canindé – menor que o jumento pêga – cor de macaco, peludo e força descomunal. Jumento com dois caçuás, viajamos no caminho do sítio Lagoa do João Gomes, beirando a serra Aguda que na época pertencia quase toda ao Sr. Marinho Rodrigues. Mas nós tínhamos um grande cercado de palma por ali. Enchemos os caçuás que o jegue chega impava de tanto peso, Cololô achou pouco e me colocou na garupa do animal. Eu tinha pena, mas esse Cololô não tinha.

Diante daquele cenário de pé de serra, ainda desconhecido para mim, pensei em estudar plantas e animais da região, além das belas paisagens sertanejas. Conduzimos a carga até à Rua Professor Enéas, antiga Rua de Zé Quirino, onde tínhamos cercado na beira do Ipanema, lugar em que o gado leiteiro dormia e comia ração, além de suínos que eram alimentados com abóboras, vindas da nossa fazenda Timbaúba.

Tempos depois Cololô deixou o emprego e passou a frequentar a praça central da cidade numa aventura sem futuro. Parece-me que chegou até motorista, depois... nem notícia do homem.

Jumento Canindé e ave Cololô se misturam no baú da memória. Hoje procuro cololô e não o encontro nem mesmo nos melhores dicionário do País.

 


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terça-feira, 16 de março de 2021

 

CHICO NUNES DAS ALAGOAS

Clerisvaldo B. Chagas, 17 de março de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.489




O poeta Chico Nunes, de Palmeira dos Índios, ficou imortalizado na memória de inúmeros apologistas, mas também no livro do ator e escritor Mário Lago. Era um cantador de pagode, embolador que assegurava o motivo do seu canto com um pandeiro na mão. O exímio e criativo poeta, porém, tinha a chamada boca suja. Era sempre convidado para duelar no chamado “Desafio”, com vários cantadores de outras localidades.  Muitas passagens de “Chico Nunes das Alagoas” estão expostas e nuas no livro de Lago, desde suas putarias ao lirismo que explora a sensibilidade. Todavia, nem todas as aventuras do vate boêmio encontram-se no livro. Os apologistas ainda hoje transmitem de geração em geração episódios do canto chulo do repentista palmeirense.

O prazer de um cantador é aplicar uma surra de versos no oponente. Cantam coisas. Mas na hora que alguém pede um desafio que é cantado em qualquer gênero, aí a coisa muda. Cantar desafio é o cantador se exaltar e depreciar o adversário. Muitos desses poetas já têm boca suja ou boca porca de nascença, aí é quando aproveita o desafio para suas pornofonias. Algumas são tão bem feitas e criativas que mesmo sendo putaria não se nega o valor da estrofe. Em Alagoas eram mestres pornôs os poetas: Zezinho da Divisão e Chico Nunes. Explicada a coisa para quem não entende bem o desafio, voltemos a um episódio acontecido com o “Rouxinol da Palmeira”.

Chico Nunes fora chamado para a região de Major Izidoro, Sertão de Alagoas para duelar com outro vate chamado Zé Nicolau. A cantoria teve início e, o seu adversário tinha uma grande torcida. Chico ficou enciumado do prestígio do outro que recebia muitos aplausos, principalmente das moças que ocupavam o salão. Vez em quando um intervalo para beberem uma cachacinha. E foi em uma dessas paradas que as moças correram para a cozinha e trouxeram um bom pedaço de bacalhau como tira-gosto para o cantador José. Para Chico Nunes sobrara apenas uma pelanca com espinha. O cantador que vinha inchando de ciúmes, não perdeu tempo e estourou o seu chulo repertório, sem perder a oportunidade das rimas. Ergueu lentamente o tira-gosto ganho. Colocou-o com os dedos contra a luz da candeia e disse diante do silêncio profundo:

 

 

Da espinha do bacalhau

Vou fazer uma vareta

Pra futucar na buc....

Da mãe de Zé Nicolau.

 

“Escapou fedendo” de uma boa camada de madeira, mas foi expulso da casa, sem direito à volta.

Outros episódios semelhantes com o “Rouxinol”, ainda hoje são contados nos pés dos balcões sertanejos e agrestinos das Alagoas.

CHICO NUMES, O ROUXINOL DA PALMEIRA (FOTO: ZÉ MARCOLINO).

 

 

 

 


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