quinta-feira, 1 de abril de 2021

 

PADRE CIRILO, MAJOR E SACRISTÃO

Clerisvaldo B. Chagas, 2 de abril de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.503

 

Em Santana do Ipanema, após as procissões de Semana Santa, as imagens que arrastavam multidões pelas ruas e avenidas, eram retiradas de cena e guardadas superficialmente no Salão Paroquial. Ali no salão contíguo à Matriz, ficavam por vários dias até que eram levadas para lugares definitivos. O preto velho, vulgo Major, maior sineiro de todos os tempos da Matriz de Senhora Santana, tomava conta das imagens, pois também era uma das pessoas zeladoras da igreja. O sacristão Jaime, por ser de baixa estatura, também era chamado de Jaiminho, ajudava no recolhimento das imagens junto ao Major. Aliás, o sacristão Jaime preenchia toda a trajetória do padre Luís Cirilo Silva. Quando o padre e o sacristão chegavam ao povoado Pedrão, em Olho d’Água das Flores, para celebrações de missa, casamentos e batizados, lá estava eu na casa dos meus tios Manoel Anastácio e Delídia, para hospedá-los e providenciar todas as mordomias possíveis. Ambos chegavam a cavalo e eu ficava boquiaberto vendo ali a quatro léguas (24 Km) da minha cidade, o nosso pároco e o sacristão.

Mas retornando à Matriz, quando a igreja estava vazia ou quase, porém aberta, eu aproveitava para percorrê-la com a complacência do bondoso zelador Major. Fazia uma incursão pelo salão paroquial, entrando por trás ou pela porta lateral que se comunicava com a nave. Jaime era mais ríspido, todavia, o Major – em avançada idade, já – era doce, calado, tolerante e paciente com as crianças como eu. Nunca esqueci do impacto dentro do silencioso salão quando me deparei com a imagem do Senhor Morto e Nossa Senhora, ainda no andor. Pareciam vivos e, como foi uma visão inesperada, senti todo o peso da surpresa e uma atmosfera espiritual muito forte, tanto que abandonei o salão imediatamente.

E é assim que nesse tempo de pandemia sem sino, sem matraca, com a saudade do padre Cirilo, do sacristão Jaime e do sineiro Major, vamos recordando momentos felizes do livro dos tempos no meu sertão nordestino na religiosidade da minha querida Santana do Ipanema.

A propósito, o padre Luís Cirilo era natural da serra da Mandioca, município de Palmeira dos Índios, ainda de descendência holandesa. O Major, era filho do povoado quilombola Tapera do Jorge (Fui saber depois de adulto), município de Poço das Trincheiras.

Reviver é viver. Hoje é Sexta-Feira Santa. Silenciosa Sexta-Feira Santa!...

CENTRO COMERCIAL DE SANTANA DO IPANEMA, VISTO DA IGREJA MATRIZ. (FOTO: ACERVO B. CHAGAS).

 

 

 


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quarta-feira, 31 de março de 2021

 

EU NO SAGRADA FAMÍLIA

Clerisvaldo B. Chaga, 1 de abril de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.502


Quando descobri aquele casarão abandonado na Rua Martins Vieira, tive desejo de conhecê-lo por dentro. A enorme obra inacabada era composta de inúmeros vãos, mas só havia mesmo o telhado e as paredes caídas de branco. Um dos compartimentos era somente uma grande vala de barro aguardando um dia ser aterrada para o nível correto do piso. Para mim, um pequeno abismo. Pessoas falavam que obra era mal-assombrada. Passei a brincar ali dentro. Vinha da Rua Antônio Tavares, cruzava a Rua Nova, pegava um matagal e chegava pelos fundos no prédio do mal assombro. Eu tinha medo por um lado, mas o desejo de brincar ali dentro era maior e nunca vi nada que me botasse para correr. Às vezes saía do Grupo Escolar Padre Francisco Correia e seguia para casa passando por dentro do edifício sinistro.

Eu não sabia, mas Deus me preparava para ser no futuro, professor de Geografia do Casarão temido. Já adulto e lecionando Ciências no Ginásio Santana, via aquele prédio, antes ao abandono, transformar-se em Colégio com o nome de Instituto Sagrada Família, cuja direção pertencia as irmãs holandesas (freiras) Leôncia e Letícia. Convidado pelas irmãs, passei um tempo feliz naquele estabelecimento, assim como também amava o Ginásio Santana.

Lembro-me que foi o professor Alberto Nepomuceno Agra que me falou que a outrora obra inacabada, pertencera ao cidadão que fora interventor de Santana nos anos trinta e passara a ser agiota, Frederico Rocha. E que Frederico emperrava a construção para especular. Por isso dera certo trabalho quando pessoas da sociedade foram tentar adquirir a obra inacabada para transformá-la no Colégio Sagrada Família, naturalmente, com verbas holandesas.

Para não ferir a memória de ninguém, não falarei aqui o motivo do fechamento das portas do Colégio. Ainda hoje conservo uma placa de estojo em homenagens “aos relevantes serviços prestados” naquele estabelecimento, diz a placa. Atualmente o edifício vai de uma rua a outra e funciona também como escola municipal. Aquelas árvores plantadas no pátio com bancos de granito rodeando-as, foi ideia minha. Recordo-me disso quando passo por ali em tempos eleitorais, pois funciona com várias sessões para os votantes. Ali também passei cerca de trinta anos sendo mesário na sessão 115. Nas últimas vezes em que fui votar, por coincidência, o presidente da mesa era um ex-aluno, funcionário do Banco do Nordeste.

Está aí a história para os pesquisadores santanenses sobre a origem de mais um dos admiráveis casarões de Santana do Ipanema, uma das 10 escolas desse território onde lecionei, do total de 12 com outros municípios.

Continuo amparado pela SAGRADA FAMÍLIA. AMÉM.

 

PRÉDIO QUE PERTENCERA AO SAGRADA FAMÍLIA, FUNDADO EM 1976.  (FOTO EM 2013: LIVRO 230/ACERVO B. CHAGAS).

 

 


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