terça-feira, 22 de junho de 2021

 

SÃO JOÃO

Clerisvaldo B. Chagas, 23 de junho de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.560

 

O melhor São João de Santana do Ipanema era na Rua Antônio Tavares. Desde à Cadeia Velha até encostar na Rua São Pedro era um corredor de fogo só. Seu Manezinho Chagas, sempre foi o primeiro da rua a tocar fogo na fogueira. O senhor José Urbano, o último a acender e deixá-la cerca de três dias fumaceando com um toco gigante. Dona Florzinha, sua esposa, entre outras coisas, fazia o quentão, bebida tradicional dos nosso ancestrais. À noite inteira na rua, bombas, chuvinhas, peido de véia, traques, peito de moça, diabinhos, rojões, busca-pés, foguetes e, de vez em quando, um balão cortava o espaço. Nós, os adolescentes, lançávamos, escondidos dos nossos pais, bombas de parede que explodiam na chapada de calçada alta da casa do então, padre Alberto Pereira, defronte a nossa.

A partir da meia-noite, ouvíamos estrondos terríveis; pareciam “bombas atômicas”, soltadas somente no leito seco do rio Ipanema, lá longe. No extremo da rua, imediações da casa da professora Adercina Limeira, mestre Eloy foi a grande atração da quadrilha, era ele quem gritava à dança. Após sua passagem, foi substituído pelo filho Walter, conhecido como Walter da Geladeira, devido seus consertos. Forrós de verdade não os conheci nessa rua. A véspera do São João era marcada por adivinhações, rosto d’água na bacia, faca na bananeira e ensaio para comadre e compadre de São João. Esfriada as cinzas das fogueiras, estas eram esfregadas nas pernas de crianças novas para andarem logo e reforço para a saúde das pernas de crianças já grandinhas e adolescentes. Bonito também e nostálgico era quando as fogueiras quase todas apagavam as chamas deixando apenas tufos de fumaça nos montículos de brasas.

O asfalto não suporta fogo e acabou a tradição da fogueira, juntamente com novas exigências ambientais. Quanto às quadrilhas juninas, o forró pé de serra, o coco-de-roda... Levaram uma carreira grande da COVID 19, este ano. Fazer o quê? Vamos ficar somente com a lembrança da voz poderosa de Gonzaga: “O fole roncou...”.

Melhor São João de faz de conta de que morte no São João.

Saudade...

Fui.

RUA ANTÕNIO TAVARES MODERNIZADA (B. CHAGAS/LIVRO 230).

 


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segunda-feira, 21 de junho de 2021

 

RIBEIRA DO PANEMA

Clerisvaldo B. Chagas, 22 de junho de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.559

 

Hoje tem início o inverno na região alagoana. Olho o tempo nublado e faço as minhas contas. Estamos dentro dos quarenta anos da publicação do meu primeiro livro e romance Ribeira do Panema. Não tínhamos gráfica e nem editora e o livro foi impresso pela Tipografia Nordeste, pertencente ao Senhor Cajueiro, à Rua Antônio Tavares. Dei o motivo da capa ao amigo radialista e desenhista Adeilson Dantas. Quanto à capa em si, não houve verniz, não houve brilho e, a tinta preta, representando a noite com a silhueta de um vaqueiro à luz da lua, teve alguma dificuldade com o tempo. A mesma tipografia imprimia após, o nosso conto: Carnaval do Lobisomem. A apresentação do romance ficou a cargo do escritor palmeirense, saudoso Luiz B. Torres. E o Carnaval do Lobisomem, teve a apresentação do meu diretor do Ginásio Santana Adelson Isaac de Miranda. A apresentação tem o nome de Ladainha e dizia:

Santana está fincada no Sertão. É amiga íntima do rio Ipanema. Rio das venetas. Manhoso. Tão manhoso quanto burro de cachaceiro. Nunca deixou, no entanto, ninguém morrer de sede. Isso não. Permite que lhes rasguem o estômago para sugarem o precioso líquido. Dar muita liberdade. Quem conheceu esse coiteiro do São Francisco, é testemunha. Nas suas imediações, urrava a onça-de-bode. Ainda hoje as rolas-brancas dormem nas suas margens.  A acauã continua chamando a seca na serra do Cruzeiro. Algumas velhas, de cachimbo nos beiços, ainda fazem renda e contemplam o seu corpo cinza. Ali perto, na Rua do Sebo, os meninos ainda brin- cam de pinhão e ximbra. As mesmas estórias do papa-figo são recontadas de avós a netos. Cancão de fogo e João Grilo ainda são heróis. Mesmo o famoso, adorado e assassino poço dos Homens, continua ali comendo gente. O Panema tem imã.  Chama o carreiro, o botador d’água, o tangerino, o almocreve, o vaqueiro, o retirante, o boiadeiro... Conquista a todos com sua água grossa. Mas, às vezes fazem raiva ao Panema. Ele se dana, empesta-se. Aí é quando se faz de macho. Bebe ódio em Pesqueira e se vinga das afrontas. Negro come o diabo! Panema dá cabeçadas, rabos-de arraia, soquetes, leva tudo no peito. Na raça. Baraúnas são arrancadas, cercas são destruídas, casebres são diluídos. E o rio velho de guerra, arrotando valentia, tórax estufado, convida os riachos para o seu cordão. Só depois de saciada a vingança volta ao normal. Peito lavado. Começa a minguar. Fica manso de novo. Entrega o pescoço à canga.

Quem vê “a lua se banhando nas águas sujas do Poço dos Homens”, começa a recordar... Recordar... Também nasci na Rua do Sebo. Também sei contar histórias do meu povo. Por favor, cruze as pernas nessa esteira-de-caboclo.   O Autor.

PRIMEIRO LIVRO E ROMANCE (AUTOR)

 


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