segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Ô HOMEM SABIDO!

Ô HOMEM SABIDO!
(Clerisvaldo B. Chagas. 10.11.2009)

Quem não gosta de música, a Arte e Ciências de harmonizar os sons? Pode ser forró, frevo, tango, bolero, qualquer uma serve, dependendo da ocasião. Está alegre? Músicas alegres. Bateu à saudade? Vai um Nelson Gonçalves, um Cauby Peixoto, um Altemar Dutra. Conheci certo dentista que acalmava a clientela com a chamada música clássica das grandes orquestras. Em alguns lugares, até as vacas produzem mais leite ouvindo música nas cocheiras. Quem não canta, ouve. Até mesmo a arte brega, antes estigmatizada, caiu no gosto de quem tem amor bandido ou uma esperança apaixonada do coração. Na euforia, até música de péssima qualidade é aceita na força da cachaça.
Falando, porém, sobre indivíduos, tem aqueles que gostam de abusar. São os que ligam o som da casa em toda altura por muito tempo; os que aonde chegam fazem exibições dos potentes aparelhos em malas de automóveis; os dos carros de propaganda que não respeitam os decibeis da Lei; ou mesmo os ambulantes que vendem CDs e DVDs em seus carrinhos infernais. O certo é que até para funeral existe música condizente.
Os gêneros musicais de vaquejadas são bons também, desde que o sujeito esteja no ambiente adequado. Os forrós de vaquejadas, tão em moda, o aboio, alegram a alma de muita gente. Mas estávamos nos referindo ao abuso. Esse é que é danado.
Trabalhando em determinada escola perto de um bar, eu ouvia todas as manhãs músicas e mais músicas de vaquejadas que duravam horas. E o pior, não era daquelas animadas, e sim, toadas longas, tristonhas e arrastadas. Eu era de uns que já não estava suportando. Quando resolvi falar com o dono do negócio, precisamos de uns reparos no sistema hidráulico. Fomos à repartição adequada, trouxemos um moreno de fala mansa, chapéu preto de massa e óculos de grau. O homem iniciou o seu trabalho e eu fiquei perto, pois sempre gostei de conversar com pessoas maduras. Conversa vai, conversa vem, mas ele sempre trabalhando. Terminei dizendo sobre o som que tanto nos incomodava. Falei que não sabia como os da repartição dele, que ficava ainda mais perto do bar, aguentavam. E o homem, bastante experimentado na vida, sequer parou o serviço. Respondeu com sua voz mansa, examinando uma peça à luz solar: “A gente nem fala com o dono do boteco. Não vale à pena. Professor existe quatro tipos de pessoas que mexem com essas coisas: o boiadeiro, o vaqueiro, o vaquejador e o vacorno. O boiadeiro é o que vende e compra o gado; o vaqueiro é o dono da vacaria; e o vaquejador é o que tange a rês. Quanto ao vacorno, é aquele que não possui sequer um bode, vive bebendo e passando toada”. Aprendendo mais uma, pedi licença, saí e logo retornei. Disse a ele que havia consultado o dicionário e não havia encontrado vacorno no Aurélio. E o homem, ainda sem se alterar, rebateu a lição: “No Aurélio pode não ter professor, mas nessa cidade é o que mais tem nas ruas”. Meditei nas suas palavras e não pude desacreditar: Ô HOMEM SABIDO!




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domingo, 8 de novembro de 2009

A POSSE DO REITOR

A POSSE DO REITOR
(Clerisvaldo B. Chagas. 9.11.2009)

Inúmeros automóveis estacionavam perto do prédio sofisticado. Homens e mulheres desciam em trajes de gala e até serviços havia às portas dos veículos. O pátio parecia um jardim pela decoração caríssima e caprichada. Iam chegando doutores, professores, autoridades, alunos... E penetravam pela porta larga e principal. Aconteceria ali, dentro de poucos instantes, uma festa maravilhosa em homenagem ao aniversário e posse do reitor. O recepcionista da porta larga estava vestido com elegância, porém, não conseguia esboçar nenhum sorriso aos que mostravam o convite. Pedro Fobó ─ aluno pobre da universidade ─, todavia não acertou passar pelo tal elegante. Estava ali com o papel bonito, desenhado, limpinho, mas a sua roupa, segundo o sujeito, não combinava com a festa. Fobó argumentou que era o traje melhor que possuía, mas não houve nenhuma complacência. Desenganado, Pedro rogou a Deus que abençoasse os atos solenes que iriam acontecer, desejou boa sorte ao “caxias” e retirou-se de cabeça baixa.
Para Fobó, a humilhação não havia sido grande coisa. Estava acostumado aos reveses da vida. O problema é que viera de carona e estava sem dinheiro para retornar a casa. Sua residência ficava a quase vinte quilômetros dali, à margem do rio Milagres. Ainda bem que do lugar da festa para a residência era um trecho asfaltado. Após respirar fundo, Pedro iniciou a pé a sua marcha de volta. Quem sabe, pensava ele, poderia até pegar uma carona, nem que fosse numa caçamba. Não conseguiu. Ao chegar perto de casa, muito cansado da longa caminhada, parou sob uma árvore e ficou contemplando ali perto o rio dos Milagres. Como havia levado horas no retorno, viu aproximar-se um carro com certa velocidade. Fobó reconheceu o veículo por causa do símbolo da reitoria. Logo o automóvel caiu no rio ao bater num buraco grande.
Pedro Fobó correu para perto e localizou o carro que ainda não havia submergido. Pulou com roupa e tudo, quebrou vidros e terminou arrastando para a margem, três homens que estavam dentro. Nenhum sabia nadar. As três vítimas beberam água, mas nenhuma delas estava ferida gravemente. Fobó providenciou o socorro necessário até que os três homens começaram devagar a se refazer do susto. O reitor reconheceu Pedro Fobó porque ele tinha sido o melhor aluno do ano passado. O bibliotecário também por causa das pesquisas constantes de Pedro nos livros da casa. E o recepcionista, por motivo da rejeição aos trajes do aluno. Os dois primeiros, mesmo ainda nervosos, sentiram alegria. O terceiro ficou envergonhado. Foi então que o reitor quis saber o que o rapaz estava fazendo ali, pois nem aos sapatos abandonara. Pedro Fobó respondeu que morava perto e estava acostumado a puxar pessoas no rio. Encontrava-se de sapato porque acabara de chegar a pé da festa do reitor. “E como esse amigo recepcionista não me deixou entrar para a posse ─ mesmo de convite à mão ─ estou aqui”. O reitor olhou para Fobó, impressionado. O recepcionista pediu perdão pela grosseria e agradeceu pelo salvamento. Pedro Fobó, antes de providenciar outros tipos de assistência, concluiu: “Nem precisam me agradecer; quem salvou a vida dos três foi Deus e não eu. Apenas meus irmãos vieram a minha posse que nem precisa convites e nem trajes de luxo”.

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