MISSA DE TOSTÃO
(Clerisvaldo B. Chagas-3.7.2008)
Nada melhor na vida de que uma festa no interior. Esse tipo de evento, quando é religioso, costuma mesclar rezas e ladainhas com o profano, atraindo assim participantes de todas as partes do estado. Além da ingenuidade natural de motivos, o encontro com parentes, camaradas, velhos conhecidos, a tradição ajuda ainda no combate do estresse. Muitas histórias são repassadas para frente com muitos aspectos gozados, menos graves, curiosos.
Lá pela década de 40, a festa da padroeira corria solta em Santana do Ipanema. Na praça defronte a Igreja Matriz, na subida para o Bairro Monumento, no Largo da Feira, barracas de todo tipo faziam avenidas. Bazares, pipoqueiras, bingos, curres, ondas, bares, restaurantes, e até balões e banda de música atraíam o povaréu sequioso por novidades. A multidão espalhava-se pelo centro, pelos becos, pelas ruas... Rindo, comendo, gargalhando, na gastança colorida dos festejos. Os matutos exibiam roupas novas, os citadinos usavam gravata e os cobres sentiam cócegas nos bolsos, nas bolsas, nos bizacos, nos lenços de pano das velhotas.
No interior da Matriz iluminada, a padroeira aguardava pacientemente no seu altar, a celebração da missa. Bancas lotadas, fiéis ansiosos pelo início da celebração, olhares furtivos para a sacristia e nada do padre celebrante. José Bulhões, sacerdote local da paróquia de Senhora Santa Ana, por isso ou por aquilo, estava afastado das atividades. Para as pregações litúrgicas da novena fora enviado para Santana um padre proveniente de Viçosa. Acontece, entretanto, que o religioso de Viçosa, cidade da zona da Mata alagoana, era chegado a um joguinho de dados. E jogos de dados era o que mais havia na festa de Senhora Santa Ana.
Como auxiliar do Padre José Bulhões, fazendo às vezes de sacristão, havia um sujeito chamado Caiçara; folclórico, hilariante e com alguns vícios, o sacristão estava sempre na boca das anedotas de Santana.
Naquela noite de festa, Caiçara vendo aproximar-se a hora da Liturgia e o povo impaciente, foi procurar o padre de Viçosa. Encontrou-o justamente diante de uma banca de jogo, animado com o movimento dos dados no pano verde da banquinha:
— Padre, só falta dez minutos para a missa.
E o padre, sem olhar:
— Já vou, já vou.
Caiçara retorna à igreja. Momentos depois novamente chega à banca:
— Padre, padre, só falta cinco minutos.
Novamente ouve a resposta:
— Vá andando. Vá andando que estou indo.
Caiçara parte para a igreja, dar uma espiadela e volta da porta mesmo:
— Padre, não dar mais para esperar. Estamos em cima da hora.
E o padre de Viçosa, sequioso no vício do “caipira”, vira-se quase aborrecido para o sacristão e afirma com todas as letras mastigadas:
— Caiçara, se o povo da igreja pensar bem, vai descobrir que u’a missa celebrada por mim e auxiliada por você, não vale sequer um tostão furado!
E voltou a jogar os bozós de osso no pano do vício desumano.
Ê missa de tostão!...
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