quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O GRITO DO MATEU

O GRITO DO MATEU
(Clerisvaldo B. Chagas, 15 de outubro de 2010)
Para os poetas santanenses José Ormindo e Azevedinho

     Debruçar-me-ei na janela do tempo. Deliciar-me-ei com as facetas multicores do Guerreiro alagoano, folguedo arrojado que encanta nos umbrais do belo. Balancear divino, contorções mágicas, rostos ingênuos de folclore puro. No caldeamento de cheganças, pastoris, quilombos, caboclinhos, emerge o Guerreiro luminoso nos espelhos das catedrais. Curvar-me-ei diante das evoluções ímpares do festejo natalino. Sanfona, pandeiro, tambor, dançadores, cantores, atores congregados contando a história do Messias. Amorosa homenagem dos Reis Magos deglutindo o tempo. Índio Peri, Zabelê, Mateu, Doido, Sereia, Estrela D’alva, encarregar-se-ão de varar a noite, de conquistar a Lua, de saudar o Sol. Brincantes da minha terra! Figuras serenas de inimagináveis fulgores e encantos, vozes harmoniosas que elevam o canto. Representações de fidalgos, espadas em lutas, riquezas de simbiose nordestina na boca grande e noturna. Avivam-se cores, dobram-se joelhos, atiram-se ternuras diante do Menino.

“Ô minha gente
Dinheiro só de papé
Carinho só de mulé
Capitá só Maceió...”

xxx

     O Guerreiro alagoano, nascido em Viçosa, final da era de vinte do século passado, difundiu-se por todos os recantos. Aproximadamente, entre 1930 e 1950, esse folguedo foi muito apreciado no Sertão. É de se notar que o folclore predominava em época natalina, cujas diversões modernas ainda engatinhavam. Arruaceiros e mesmo volantes alopradas gostavam de praticar selvagerias contra essa e outras fontes de lazer dos sertanejos como bailes, reisados, coco de roda e pagode. O palhaço da brincadeira é o Mateu, que antes da festa, pelo dia sai anunciando o evento nas ruas da cidade. Chapéu típico, cara pintada de preto, relho a estalar, coloca menino para correr. Ainda hoje se diz no Sertão, referindo-se a má conduta: “Toda família tem um mateu”. Por outro lado, quando alguém desejava falar com Lampião pela segunda vez e, não sabendo onde o encontrar, logo achava a resposta. Virgulino mesmo dizia filosofando: “É só escutar o grito do Mateu.”
     Nos últimos anos, muitos valores inverteram-se. A exceção virou regra geral e o mundo parece andar de cabeça para baixo. As mais absurdas coisas são ditas e realizadas sem pejo, sem critério, sem honra. Se o fim está próximo, não sabemos. Somos apenas passageiros dessa nave que não para. Tornaram-se rotinas os rostos negros de carvão semelhantes ao personagem do Guerreiro das Alagoas. Já não precisa escutar eco nenhum no meio da caatinga. Basta olhar em torno e dispensar O GRITO DO MATEU.




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