segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

O ÚLTIMO VIGIA DA NOITE


O ÚLTIMO VIGIA DA NOITE
(UM CONTO DE ASSOMBRAÇÃO)
Clerisvaldo B. Chagas, 27 de fevereiro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica/conto 1.851


     Eu nem sei o que estava fazendo àquelas horas da noite. Tudo difuso e eu caminhando pela rua muito comprida e sem calçamento. Caminhando, caminhando, caminhando, percebi que estava indo para um lugar do asfalto chamado Barragem. Dali poderia seguir para o centro da urbe. Finalmente cheguei ao final da via onde um rego seco e uma rampa de aterro me dariam acesso ao asfalto transversal. O leito seco seria a foz de riacho conhecido  que despejava no rio Ipanema. Passei pelo rego e deparei-me com uma vereda ladeada por alto capinzal. Temi algum bandido por ali escondido, mas comecei a subir a rampa por ela. De repente fiquei paralisado sem poder me mover em nenhum sentido, guiado apenas pelo pensamento. Surgiu uma luz branca e em seguida uma voz ordenando que seguisse. A mesma voz falava que no início do asfalto havia um bar com muitos bêbados e prostitutas; e que eu passasse direto em direção ao centro.
Subi longo ao asfalto, passei pelo bar, percorri longo aclive até chegar à chã. Ali havia um homem com uma lanterna acesa, grande e antiga – tipo usado pelos inspetores de trem – pendurada pela alça.
- E daí? – indagou.
- Daí o quê?
- Ora daí o quê!
- Não me aborreça que eu quero passar.
- Ah! E é? É o Lampião? Tá pensando o quê? Você viu uma luzinha piscando quando você passou pelo cemitério? Era eu. Fui eu quem mandou você seguir – rodou algumas vezes com a lanterna à mão e afirmou: sou o último vigia da noite.
Pensei até em gratificá-lo por me ter guiado, mas nem houve tempo. Surgiu um homem à margem da estrada que me disse mansamente: “ele morreu em 1920. Estar querendo brigar. Nem entendo disso, nem sei o porquê, mas se você disser a ele que vai botar um garrote em suas costas, ele sairá correndo”.
O galego deixou a lanterna de lado e armou-se para lutar, à semelhança de um boxeador. Rodeei-o de punhos armados, quando me lembrei das frases do homem da margem. Gritei que iria colocar um garrote em suas costas. O vigia sentiu um abalo. Fui repetindo a frase, complementando-a com força e citando o que aconteceria a ele com um garrote às costas, dizendo safadeza, até que o último vigia da noite, partiu ladeira abaixo espavorido.
Não digo que não vou mais andar à noite por lugares esquisitos. Como dizer, se a vontade não é minha? Que coisa! Ave.



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