VENDE-SE
O CARRO DE BOI
Clerisvaldo
B. Chagas, 22 de agosto de 2022
Escritor
Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.755
A
visita não foi programada. Uma surpresa nas pesquisas sobre o padre Cícero, nos
fizeram chegar até a casa do senhor Manoel Daniel Filho, após visita a uma área
invadida pelo Ipanema na grande cheia deste ano. O lugar chamado “Volta” ou
“Volta do Ipanema” – expressão muita usada no passado – hoje está bem habitada,
às margens do rio, parte mais baixa no extremo oeste do Bairro São José.
Entretanto, esse ponto onde o rio faz uma curva, daí a denominação, continua
com os mesmos aspectos de antigamente. Ali as águas subiram muito e invadiram residências
no final de ruas que se cruzam em forma de “L”. Várias casas foram invadidas e outras
derrubadas pela cheia. Até hoje permanecem os chamados “basculhos” secos nas
pedras do Panema.
A
cheia não chegara à casa do Sr. Manoel e podemos conversar à vontade na sua
garagem em que está seu carro de boi de rodas de pneu, fruto de decreto do,
então, prefeito Ulisses Silva, proibindo carros de boi de rodas de aros de
ferro circularem no novo calçamento de paralelepípedos de Santana do Ipanema.
Vendidos os bois, o carro bem feito aguarda comprador enquanto serve de
depósito de madeira e panos do funcionário público aposentado. Seu Manoel fala
da perna quebrada no seu trabalho caseiro, suas dificuldades para locomoção,
mas não deixa em paz seus instintos de trabalhador: “enquanto descansa carrega
pedras”, diz o homem conformado com sua deficiência. Devoto de Santa Quitéria,
fala da vila pernambucana com grande propriedade.
Enquanto
isso, sua esposa conta a graça alcançada com o padre Cícero do Juazeiro. Senhor
Manoel Afirma sobre o carro: “Não tem uma folga em nada, é todo de craibeira e
ninguém faz um igual a esse pelo preço que está à venda”. Continuo dialogando
com aquele cidadão que eu, ainda criança e rapaz tanto o vi passando na minha Rua
Antônio Tavares, ora a pé, ora comprando cinzas em um jumento, para os curtumes
da Maniçoba. Agora na terceira idade. Nunca tive coragem de falar com ele, mas
nas voltas que o mundo dá chego de cara com aquele adulto de outrora. E com tantas conversas agradáveis – até
parecia que queríamos descontar o tempo de tantas eras em nosso mutismo. Ele
muito me agradeceu pela minha palestra e eu saí de alma vibrante de alegria,
pela oportunidade que a vida me dava e pelo muito que aprendi naquela rodada de
simplicidade, segredo da vida.
MANOEL
DANIEL E SEU CARRO DE BOI, RODA DE PNEU (FOTOS: B. CHAGAS).
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