quinta-feira, 26 de junho de 2008

ROUBANDO SANTO


ROUBANDO SANTO
(Clerisvaldo B. Chagas-26.6.2008)

Eu avistava a pedra mais famosa do rio da varanda dos fundos da casa de meu pai. Contemplávamos dali também as cheias periódicas de verão ou de outono-inverno. Lá estava ela a cerca de mil metros da Rua Antonio Tavares. Majestosa, empinada, vertical, a pedra de cabeça enegrecida de lodo, parecia realmente um sapo. Ficava e ainda continua de plantão na margem direita do rio Ipanema. Algumas pessoas chamavam-na de Pedra do Cuscuz, contudo, eu preferia o nome da sua aparência mais exata que era a do animal anuro: Pedra do Sapo.
A Pedra do Sapo talvez não tenha três metros de altura, mas além do seu belo porte, servia de marco naquele trecho urbano e era a principal fornecedora da intensidade das cheias por aquelas bandas.
Mais ou menos nas últimas duas décadas do Século XX, um negro alto, chamado José Preto (Zé Preto), vendedor de “mangaios” na feira, teve uma idéia. Zé Preto morava na antiga estrada que dava acesso ao rio Ipanema e que atualmente tem nome de Rua São Paulo. Por motivo de promessa, Preto construiu um pequeno oratório no topo da Pedra do Sapo, colocou o santo lá dentro, tendo antes feito uma pequena escadaria de cimento. Não é preciso dizer que pouco tempo depois de inaugurado o oratório, vândalos quebraram sua pequena porta e carregaram o santo. Em lugares ermos, sem proteção nenhuma, basta começar a selvageria para que todo o restante da obra venha abaixo. Não sabemos qual teria sido a reação de Zé Preto, naturalmente de constrangimento, entretanto, o feirante havia concluído a sua parte. Após o feito dos marginais, parece que a pedra perdeu o encanto. Até parece que perdeu também a pose que demonstrava a adolescentes e adultos. Não foi mais a mesma é verdade, porém, nunca perdeu a sua essência de pedra; pedra forte; pedra diferente; pedra ornamental.
Se você não é nada leitor é apenas uma pedra comum, ninguém mexe com você. No dia em que a sua pessoa conquistar o primeiro cargo na vida, vira Pedra do Sapo. Os infelizes adversários, baba caindo de inveja, logo logo quebrarão a sua portinhola e carregarão os santos.
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terça-feira, 24 de junho de 2008

O CORONEL E A VERGONHA


O CORONEL E A VERGONHA
(Clerisvado B. Chagas-24.6.2008)

O Tenente José Lucena de Albuquerque Maranhão, da polícia alagoana, fazendo uma diligência para prender arruaceiros e assassinos no alto Sertão do seu estado, cercou a casa do velho José Ferreira. Houve tiroteio. Dali saiu morto o velho Ferreira, pai de Virgulino Ferreira da Silva, o futuro Lampião. Lucena só foi saber quem era José e que ele estava na casa, após o tiroteio. Virgulino ainda era cangaceiro manso. José foi sepultado no, então, povoado Santa Cruz do Deserto, pelo sargento Maurício. Lucena passara a ser o inimigo número 1 de Virgulino.
Muito mais a frente, Lucena chegou à cidade de Santana do Ipanema na condição de major, comandando um batalhão de polícia que ali seria sediado.  Os seus componentes haviam sido escolhidos a dedo pelo major, com a finalidade de combater o banditismo. Era o ano de 1936. Com o QG em Santana, as forças volantes do major, chefiadas por sargentos, tenentes e aspirantes, espalharam-se pelo Sertão. Em 1938, as forças de Lucena acabaram com o cangaço trucidando onze cangaceiros, entre os quais, Lampião e Maria Bonita.
Lucena angariou a simpatia do povo santanense fazendo dupla de prestígio com o Padre José Bulhões, até 1950. Chegando ao posto de coronel, José Lucena de Albuquerque Maranhão ainda foi prefeito de Santana, deputado estadual e prefeito de Maceió. (Foi ele quem construiu o mercado de carne e demoliu o cemitério velho do bairro Monumento). A principal via urbana da cidade passou a ser chamada até o presente de Avenida Coronel Lucena.
Contou-me um comerciante que há alguns anos uma pessoa de Sergipe havia sido convidada para ministrar uma palestra no Tênis Clube Santanense. Não recordamos o assunto. Por coincidência, o palestrante era família do Coronel Lucena que ficou muito entusiasmado com o convite. Afinal poderia ser muito bem recebido em Santana por causa da história do parente. Durante o início, eufórico, o palestrante dizia pertencer à família de Lucena, Luceninha... Silêncio na platéia. Nada de aplausos. Foi aí que o comerciante que narrou o fato, numa atitude pouco aconselhável, gritou para o palestrante que ninguém ali sabia quem era Lucena ou Luceninha. De imediato sumiu a terra nos pés do homem. A palidez arrebanhou o seu entusiasmo. Que vergonha passou o palestrante, o povo de Santana presente e os ossos do coronel!... Simplesmente a juventude não sabia da sua história, nem sequer uma linha sobre a avenida principal da cidade
Triste de um povo sem história, sem memória, sem ânimo e sem motivação. Povo fruto de uma escola que não transmite seus valores; professor sem compromisso com a história, com a literatura local, com o sangue literário que é e que se foi. Povo sem memória, sem história, sem crédito, sem miolo. Ignorância sobre o torrão natal é um mal que ataca a maioria dos municípios brasileiros. E inúmeras escolas formam apenas párias sem orgulho, sem chama, sem raízes; fantasmas que não se sustentam nem diante de um soldado, quanto mais de um coronel.

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