terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

REVIVENDO O CANGAÇO

REVIVENDO O CANGAÇO

(Clerisvaldo B. Chagas. 3.2.2010)

Entre o povoado Candunda e a região da ribeira do Capiá, alto Sertão de Alagoas, viveu um cidadão de sobrenome Rodrigues. Homem rico, respeitado e misterioso, dependia da agropecuária. Lampião passava pelas imediações de vez em quando, mas, usando seus dons ofertados por Deus, Rodrigues tornava-se invisível aos olhos do “Rei do Cangaço”. Não concordava com as tropelias do bandoleiro. Certa feita, Lampião acampou ali por perto e mandou chamá-lo. Dessa vez o fazendeiro resolveu comparecer e apresentou-se ao chamado do bandido. O capitão afastou-se com o visitante ficando sob árvore frondosa nas proximidades. Disse que tinha conhecimento dos dotes de Rodrigues e queria apenas que ele copiasse uma reza forte das muitas que sabia. O fazendeiro alegou não saber escrever. Pediu para que Virgulino anotasse que ele iria ditando. Assim foi feito. Naturalmente Rodrigues não deve ter ensinado o pulo do gato. Lampião pediu também consentimento para levar o filho do fazendeiro, conhecido por Rodriguinho. O pai alegou que a decisão era do filho. E assim Rodriguinho partiu com Lampião, passando certo tempo no cangaço. Sua especialidade era atirar de longe nos bodes da caatinga, quebrando duas patas com um tiro só. Aquilo entusiasmava o capitão. Cansado das maluquices do cangaço, entretanto, Rodriguinho desertou. Lampião – que não perdoava desertores – andou algumas vezes na fazenda de Rodrigues, manso, maneiroso, querendo notícia do filho, pois gostava muito dele”. O pai, macaco velho, desconversava, alegando sempre que não sabia onde se encontrava o rapaz. Rodriguinho, sob a proteção do velho, nunca mais em vida viu Lampião. Rodrigues morreu com 102 anos, tendo anunciado com bastante antecedência o ano, o dia e à hora da passagem. Tudo se cumpriu.
Rodriguinho constituiu família e, já em idade avançada, o tempo do cangaço bateu novamente em sua porta. Com uma neta casada com um sujeito perdido, teve que ver e aguentar muitas coisas para continuar em paz. Um dia o marido da neta partiu para a última ofensa. Após desdenhar do passado de Rodriguinho como cangaceiro, ameaçou bater no velho e partiu para a ação. Mas o agressor só teve tempo mesmo de erguer a mão. Caiu para trás ao receber as balas de um revólver 38, após o velho limpar a vista e não tremer as mãos. Polícia e Justiça quiseram cair em cima, porém, o homem que mandava em São José da Tapera e região interferiu: Como poderia a polícia prender um ancião que defendera a própria vida para não ser desmoralizado? E assim o caso não deu em nada.
Se Rodriguinho tinha um nome de guerra no bando de Virgulino, meu narrador não lembra mais. A vida desse moço faz parte do todo que embasou as hostes lampionescas. Nem mesmo após os arrependimentos ninguém está livre das tentações; nem com idade avançada. Essa narrativa veio a lume, graças à boa vontade de “Tonhe Véi”, homem decente que ajudou a preencher com família a ribeira do Capiá. Entre tantas e tantas histórias narradas envolvendo Lampião, incluímos a do cangaceiro anônimo Rodriguinho REVIVENDO O CANGAÇO.





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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O RÁDIO DE ORMINDO

O RÁDIO DE ORMINDO

(Clerisvaldo B. Chagas. 2.2.2010)
Esta crônica de nº 200 é marco de etapa. É oferecida ao professor Valter Filho, cujo cajado de Moisés abriu o mar Vermelho

Fragmentos exaustivamente pesquisados dão conta de que também havia uma escola particular em Santana do Ipanema que não é muito lembrada. O que não é registrado termina morrendo na boca dos mais velhos. O esquecimento toma conta do restante e pronto; vai-se um pedaço da história. Tudo leva a entender que a escola particular do professor Domingos Gonçalves Lima, fardada, disciplinada, bem dirigida, existiu após a extinção da escola pioneira do professor e senador Enéas Augusto Rodrigues de Araújo e esposa professora Maria Joaquina de Araújo. Não encontramos em outras fontes referências ao contabilista mais antigo em Santana. Primeiramente, Domingos Gonçalves Lima, então com 18 anos de idade, chegou à “Rainha do Sertão”, como contador da firma do Coronel Manoel Rodrigues da Rocha. Veio de Porto da Folha, solo sergipano, direto para seu primeiro emprego. Muito temos sobre todos eles no livro inédito O Boi, a Bota e a Batina, História Completa de Santana do Ipanema. O nosso ponto de hoje, porém, é sobre outro contabilista que conhecemos na década de 60.
Ormindo Monteiro era contador da firma de meu pai. Baixinho, muito sério, vez em quando aparecia no senadinho da loja de tecidos. Conversava pouco e sempre trazia uma novidade. Geralmente era uma notícia diferente que as pessoas demoravam a acreditar. Na hesitação dos presentes, Ormindo costumava afirmar: “deu no rádio”. Ora, o rádio ainda era privilégio de poucos e contava com boa credibilidade. Dessa maneira Ormindo não dava rasteira em sapo. Qualquer dúvida sobre suas notícias vinha logo à salva-guarda: “deu no rádio”. Certa feita, depois de muita conversa alguém disse que o animal que mais comia era a égua. Nem valia à pena criar essa biscaia. Quem quisesse que prestasse atenção. Até o cavalo parava para dormir, mas a besta passava a noite toda acordada a pastar; era só ouvir o chocalho badalando até o amanhecer. No outro dia chegava Ormindo para confirmar a conversa anterior. Havia se enrolado num capote e passara à noite inteira sob o aveloz escutando o chocalho da besta, dissera. Lógico que ninguém acreditou em tamanho absurdo. Nenhum cristão consciente iria passar uma noite acordado ouvindo chocalho de besta. E foi dessa vez que Ormindo não pode provar porque não havia dado no rádio.
As eleições se aproximam. Políticos locais já se assanham porque o postulante a deputado, a senador, a governador, apareceu em Santana, pagou churrasco, conversou muito, saiu na mídia. Existe ainda muita ilusão no pai-nosso da política. Os seis possíveis candidatos a prefeito vibram quando chegam os arautos do mundo com suas promessas costumeiras. Em outras localidades, não sabemos, mas em Santana do Ipanema o chocalho da besta já deu no RÁDIO DE ORMINDO.





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