quarta-feira, 19 de maio de 2010

PALAVRAS DE CANTADOR

PALAVRAS DE CANTADOR
(Clerisvaldo B. Chagas. 20.5.2010)
Estamos dentro dos onze anos de lançamento da “Flor do Lácio – Gramática”, da autora, de saudosa memória, Izabel Torres de Oliveira. Isabel, também conhecida por “Dona Besinha”, realizou seu grande sonho com a publicação dessa gramática da Língua Portuguesa, em terras arapiraquenses. Figura exponencial da “Terra do Fumo”, Dona Besinha prestou inúmeros serviços na Educação, Cultura e no social de Arapiraca. Flor do Lácio foi composta e impressa na Editora Sergasa e, veio a preencher essa lacuna tão carente da cultura alagoana. Tive a honra de receber um exemplar da insigne professora com os dizeres: “A você Clerisvaldo, o carinho e a admiração da autora de Flor de Lácio, Besinha”.
O denodo e a seriedade de Dona Besinha, levaram-me a lembrar de pretenso gramático de Maceió. Fiz a matrícula no, então, colégio particular mais famoso da capital. Antes de mim, o ensino era realmente excelente, mas peguei um ano em que já havia começado a decadência da escola. Só aguentei um ano porque não havia como deixá-lo antes. Nunca fui de levar livros para as aulas. Fui de prestar atenção ao que me interessava e pesquisar fora. Por isso conduzia apenas um caderno pequeno e fino (sem arame) e uma caneta popular. O caderno eu dobrava e colocava no bolso de trás, da calça. O professor de Português era muito famoso em Maceió. Seus cabelos pareciam com os de um dos três patetas. Digo sem nenhuma ofensa. Ele era um “medalhão”. Em minha turma havia um indivíduo proveniente de Viçosa, a terra do folclore. Esse colega gostava de tocar pandeiro e cantar samba, coco, embolada, coisas assim. O medalhão apreciava muito esses negócios, assim como eu. Durante suas aulas, fora o cumprimento habitual, o tempo restante era dedicado ao camarada de Viçosa para cantar, tocar e divertir o pateta. Durante o ano letivo, tudo que pude colher do Português desse professor (que enrolava descaradamente) foi a metade de uma página (não folha) do meu caderno magrinho, oito ou dez linhas apenas. O restante era mensalidade altíssima e em dia. Não gosto de medalhão, detesto medalhão, quero distância de medalhão. Sei que devemos viver o presente e pensar no futuro, mas quem bloqueia o passado é a caduquice. O tema aos cantadores em Campina Grande, durante um congresso, dizia: “Tudo passa na vida, tudo passa/ Mas nem tudo que passa a gente esquece”. Àquele professor vivia dizendo que iria publicar uma gramática. Deixei à capital e nunca soube de gramática alguma. Bem diferente da competência e seriedade de Dona Besinha. Flor de Lácio, Aurélio e outros livros úteis, sempre estão ao alcance nos meus escritos diários. Isso, entretanto, não é garantia para faltas de pecados. Lidar com a Língua Portuguesa é lidar com as lisas piabas do Panema: trastejou passou.
Continuo admirando os profissionais honestos e dedicados do nosso Magistério. Homens e mulheres que, muitas vezes, ficam decepcionados com seus ínfimos vencimentos no final de cada mês. Sacos de pancadas dos abutres elitistas. Ah! “(...) Mas nem tudo que passa a gente esquece.” PALAVRAS DE CANTADOR.

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LULU FÉLIX

LULU FÉLIX
(Clerisvaldo B. Chagas. 19.5.2010)
Visitando pontos da nossa Maceió, registramos o desprezo administrativo nos calçadões de praias como Avenida e Sobral. E a praia do Sobral nos faz recordar um cidadão de Santana do Ipanema que marcou época. Trata-se do indivíduo Lulu Félix, baixinho, carismático e contador de aventuras, quase todas elas vividas por ele. Lulu morava na entrada da Maniçoba, subúrbio de Santana, em uma casa de alpendre na parte mais alta do largo. Tenho impressão até que o sítio em que morava Lulu, antes pertencera a certo Tavares, personagem de uma crônica do escritor Oscar Silva. Na varanda da casa grande, mas modesta, havia um banco chamado no Sertão de “pelar porco”, que servia para descansar as pernas dos que transitavam entre a cidade e a Maniçoba ou Bebedouro. Até hoje chamo a esse lugar de Largo do Lulu Félix e gostaria que oficialmente assim fosse chamado pela prefeitura da cidade. Lulu Félix sempre estava no comércio de Santana. A loja de tecidos do meu pai era um dos seus pontos de parada prediletos. O homem sempre aparecia de paletó. A princípio, chegava calado, encostava-se à parede externa e ficava ouvindo a conversa dos que haviam chegado antes. Parecia aguardar a sua vez de falar. E falava sim, quando alguém a ele se dirigia pedindo que contasse alguma coisa das suas constantes viagens a São Paulo. O pequeno, falando fino e baixo, então, se soltava a mentir com uma seriedade impressionante. Falava sobre São Paulo, Minas, Amazonas, Maceió, Bahia... Segundo suas narrativas, estivera nos lugares citados quando vira isso e aquilo. Se alguém fazia uma observação, Lulu sempre replicava com a frase: “Eu passei foi quinze anos naquela porcaria”. De modo que se fosse somado o tempo que ele falava durante a palestra, daria mais de cem anos e o Lulu Félix deveria estar na faixa dos 55 aos 65 de idade. Alguns diziam que o paletó era presente da família. Não sei. Nunca ousei perguntar isso aquele homem tão sério.
Ao falar em Maceió, disse Lulu Félix que um grupo de vinte homens do exército desceu até a praia do Sobral, para realizar os exercícios de costume. Após as instruções de rotina, o sargento chamou os soldados de volta ao quartel. Mas quando contaram os homens, estava faltando um. Procuraram em todos os lugares e nada. Só podia ter sido afogamento, não havia outra explicação. Os soldados retornaram ao quartel com essa lamentável baixa, segundo a narrativa. Três dias após o acontecimento, um pescador pegou um peixe enorme no mar do Sobral e, ao abri-lo, qual não foi à surpresa! Estava o soldado desaparecido inteirinho na barriga do peixe e ainda mais em posição de continência.Quando alguém duvidava das suas conclusões, Lulu sempre dizia: “Você não viaja!”
Na realidade, o argumento de Lulu era muito eficiente. Se você não viaja, meu amigo, como pode duvidar das coisas que não conhece? Vou deixando a praia do Sobral, imortalizada nas clássicas mentiras do santanense, quando mentir era uma arte. E o que era arte passou à safadeza descarada dos bandidos engravatados. Boas lembranças das doces e sacrossantas mentiras de LULU FÉLIX.




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