segunda-feira, 26 de julho de 2010

PASSA EM ARAPIRACA

PASSA EM ARAPIRACA
(Clerisvaldo B. Chagas. 27.7.2010)
A criatividade do brasileiro não tem limites. Além do tal jeitinho que se tornou coisa nossa, outros campos também são visitados pela imaginação. As piadas reinantes em reuniões de homens são fenomenais. É preciso pensamento inteligente para bolar o fato curto e condensado da tirada divertida e maledicente. Em uma roda de amigos as gargalhadas dominam sobre a ansiedade da anedota. Todos sabem e contam piadas de sexo, papagaio, macaco, português e de tantos outros assuntos. Mas existem aqueles que possuem o dom natural para contar os fatos. Entre os que praticam esse tipo de humorismo de salão, podemos destacar dois estilos. Um deles é do bom piadista, faz a alegria da roda e gargalha com os demais da própria piada. O outro é do que emite a anedota provocando risadas homéricas, mas ele permanece quieto, calado, sério como padre velho. Desse último tipo, conheci o “Duro”, sujeito que morava à Rua Nova e trabalhava na marcenaria do conhecidíssimo Antonio Dantas. Ficou desaparecido durante dezenas de anos. Vim encontrá-lo há pouco no Bairro São José sem perceber que aquele marceneiro chamado Sebastião, era o “Duro” da minha adolescência. A ele encomendei várias peças de madeira. Depois Sebastião veio morar perto da minha casa. Em conversa informal descobri quem era o homem. Ele não se lembrava de mim. Em nossa juventude “Duro” me avistava de longe e ia logo dizendo: “Tenho uma novinha correndo sangue”. E libertava a piada que me fazia quase morrer de rir. Ele apenas fumava e permanecia cara-de-pau. Agora na terceira idade bebia muito, o álcool tirou-lhe a vida.
Uma dessas anedotas que andam soltas e modificadas, sem autores, sem registros, levadas de boca a boca, é a do cidadão que almejava a todo custo chegar ao destino. Ele está à margem da rodovia aguardando transporte. Ao avistar uma carreta, dá com a mão. O carreteiro, que já vem fumarando de raiva, quer descontá-la em alguém. Mete o pezão no freio vendo ali a sua vítima e pergunta o que é que há. O pretenso carona indaga: “Vai para Arapiraca?” E o motorista, botando para fora tudo que sente, responde: “Eu vou para a p... que pariu!” O ingênuo passageiro não desiste: “Mas passa em Arapiraca...?”
Certa ocasião conversei bastante com um candidato a prefeito de uma cidade sertaneja. O mesmo que me contou a piada acima. Queria por que queria ser prefeito. Indaguei se tinha ideal? Não. Perguntei se tinha projetos para a cidade. Também não. Indaguei ainda se estava preocupado com sua gente, com seu povo, com os problemas do município. Respondeu-me logo que não havia pensado em nada disso. Queria ser prefeito, expressão dele, “porque a prefeitura jorra dinheiro e facilidades que me permitirão alcançar o cargo estadual de..." E citou o cargo. Conseguiu eleger-se e chegar depois ao lugar que pretendia.
Sem ideal, sem planejamento, sem coração, “o importante não é ser chamado de filho de uma p...” disse-me ele muitos e muitos anos depois daquelas perguntas que relembrava e que concluiu dizendo: "Como o carona do carreteiro, o mérito é saber unicamente se a carreta PASSA EM ARAPIRACA".


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LAMPIÃO

LAMPIÃO
(Clerisvaldo B. Chagas. 26.7.2010)
(Para PRIMO VEI)

Aproveitando a presença de Sílvio Bulhões (filho de Corisco e Dadá) em nossa terra, lembramos que depois de amanhã tem aniversário da morte de Virgulino Ferreira da Silva. Setenta e dois anos se passaram desde que Santana do Ipanema, Alagoas, foi o epicentro da notícia bomba que tomou conta do planeta. Primeiro, por que a cidade sediava o 2º Batalhão da Polícia Militar, de combate ao cangaceirismo; centro irradiador de forças volantes em busca do “Rei Vesgo dos Sertões”. Segundo, por que era o lugar mais adiantado dos próximos ao massacre de Angicos. Mesmo após a apresentação das cabeças de Lampião, Maria Bonita e mais nove sequazes, nos degraus da prefeitura de Piranhas, as cabeças também ficaram expostas em Santana. A igrejinha/monumento, marco de passagem de século, construído pelo padre Capitulino, não apresentou somente Nossa Senhora da Assunção. As onze cabeças dos cangaceiros trucidados foram colocadas nos batentes da capela, para a satisfação de vitória contra o receio ilimitado da época. O quartel ficava por trás da igrejinha, no mesmo casarão onde hoje funciona uma escola. A imagem da santa, vinda de Portugal, parecia dizer àquelas cabeças sem corpos: “Eu bem que falei que esse negócio de cangaço não tinha futuro!” E a multidão se aglomerava por ali em busca da certeza dos boatos que percorriam a caatinga, os povoados, as vilas... As cidades. Para um tempo que ainda engatinhava em comunicações, foi fantástico. Não demorou nada o descarrego no meio do mundo velho de meu Deus. Fotógrafos, acadêmicos, políticos e também coiteiros do bando, invadiram a cidade rapidamente juntos ao alvoroço que tomou conta da urbe.
O comandante Lucena, cujo prestígio rotineiro ascendia na “Rainha do Sertão”, teve essa confiança elevada ao quadrado diante da sociedade perplexa. Estávamos vivendo ainda o período de interventores. A posse do novo interventor municipal, Pedro Gaia, sem destaque, morna, sem brilho, passou à euforia coletiva após um telegrama histórico vindo da ribeirinha Piranhas, local mais perto do tiroteio. Uma quantidade de fotos que ninguém sabe precisar foi estampada nos jornais de quase todos os países do globo. Soldados foram escalados para a missão sinistra e nauseante de mostrar e identificar as cabeças ao público. Todas, chegadas em latas de querosene com formol.
Estava presente no dia em que o desfile macabro chegou a Santana, o futuro escritor Oscar Silva, componente de elite do batalhão. Graças a Silva, foi registrado o essencial daquelas cenas extraordinárias ocorridas a 220 km de Maceió. Tempos depois, o comandante dos homens que atacaram Angicos, território sergipano, publicou o livro: “Como dei cabo de Lampião”. Lucena foi promovido e chegou a ser prefeito da cidade, seguindo uma carreira política de sucesso. Candidatou-se a deputado e ainda conseguiu exercer o cargo de prefeito em Maceió. A igrejinha/monumento ainda existe, mas parece não ser percebida em sua importância histórica para o mundo estudantil. Assim, as lembranças longínquas continuam povoando as massas cinzentas dos pesquisadores. Apesar de milhões de letras escritas sobre o cangaço, muito ainda se tem a dizer sobre LAMPIÃO.

• Primo Vei (João Francisco das Chagas Neto ou João Neto de “Dirce” ou João do Mato)



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