quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O SILÊNCIO DAS CATACUMBAS

O SILÊNCIO DAS CATACUMBAS
(Clerisvaldo B. Chagas, 19 de agosto de 2010)

Quem se propõe a pesquisar sempre, pode esquecer tempos de folga. Ao sentir o gosto das descobertas, cada texto, cada frase, cada palavra, pode causar dependência. Uma vez dependente adeus lazer! Certa vez dividi uma das minhas turmas de alunos em dez grupos. Cada grupo ficou encarregado de pesquisar em lugares diferentes. Ainda lembro alguns desses lugares como o açude do Bode, um banco, o Abrigo São Vicente de Paula, o cemitério, uma fabriqueta, o mercado de carne, um compartimento da feira livre e outros que me escapam. Naturalmente o espanto da turma foi pesquisar no cemitério. Um daqueles alunos mais ousados, logo se prontificou, formando imediatamente a sua equipe. O resultado das pesquisas seria apresentado e discutido esse conjunto da nossa sociedade. Resumindo, o melhor trabalho foi aquele sobre o cemitério, apresentado e aplaudido vigorosamente.
Deve ter sido, nos meados do século passado, uma necessidade demolir o velho cemitério construído pelo padre Veríssimo. De certa maneira, a construção impedia o estiramento da cidade em direção ao serrote Pelado e a saída Santana do Ipanema – Maceió. Houve polêmica sobre a decisão vinda de cima para baixo. Mas, diante de uma sociedade passiva, coerente ou não, manda o poder. Não temos conhecimento de registros sobre as famílias ali sepultadas. No tempo em que bonitas e grandes catacumbas representavam a continuação do prestígio das famílias ricas ou tradicionais, epitáfio era coisa importante. Assim os cemitérios sempre representavam fontes de pesquisas para a Geografia, História, Artes, Arqueologia, Antropologia, Sociologia e outras “ias”. A cidade ganhou em expansão, mas perdeu essa fonte importante de pesquisas sobre as primeiras famílias ali sepultadas, cujas lápides poderiam ter ajudado no quebra-cabeça da formação social santanense. Os Rodrigues, Gaia, Gonzaga, que dominaram o núcleo por bastante tempo, ficaram apenas na memória de algumas pessoas, mas também em confrontos com outras informações que não se complementam.
Os cemitérios modernos guardam apenas nomes e datas, mas por certo tem seus arquivos informatizados. Sem dúvida o ambiente de morte tem seus mistérios que são coisas invisíveis aos encarnados. Um terrível drama é formado entre os espíritos que não receberam ainda autorização para se desvencilharem de redes que os mantém presos a terra. A leitura kardecista, em parte importante sobre a passagem, também se encaixa na tarefa do bom pesquisador. Na superfície, a tranquilidade conhecida pelos vivos, no plano espiritual, coisas que só excelentes leituras nos podem esclarecer. Entretanto, queríamos apenas falar na importância da pesquisa em qualquer lugar, inclusive nos cemitérios. Desde os subterrâneos do Vaticano até aquele cemitério tão pequeno de uma vila, povoado, fazenda, encontramos muitas informações em letras e números estilizados ou tortuosos. É desse modo que fala O SILÊNCIO DAS CATACUMBAS.

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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

DESENHANDO A TARDE

DESENHANDO A TARDE
(Clerisvaldo B. Chagas, 18 de agosto de 2010)

Prefiro o PC normal a esse tal notebook. Mas como é o jeito vamos registrando o cotidiano. Ainda estou aqui na “Cidade Sorriso” sem a definitiva Internet. Telefona-se para “A” e “B” e nada de ligação. Falam que instalaram um cabo. E que cabo é esse, tão difícil assim. Lembro logo do cabo de vassoura, rolo frágil quebrado na cabeça de muitos maridos por aí. Cabo de guerra, brincadeira de gente besta que teima em medir forças. Cabo Zeferino, antigo barbeiro de Maceió, gozado pelos clientes do Bairro do Prado.  Cabotino, cabo Henrique e o cabuloso que deve ser o mesmo cabo que futuca na Web. Encontramos na BR-316 Santana – Maceió um caminhão tombado, pneus contando os pingos de chuva. E logo a jornada agradável vira uma irritante espera. Os botijões da carga imitam brancos soldados da paz, tesos no asfalto. Acolá, um gipão moderno, aos beijos, namora o mato verde, marginal. Alguém fala que foi um “quebra de asa” para não ser esmagado pelo carro grande. A amiga sabe o que é “quebra de asa”? Nem pergunte! Uma velhinha não se contém e diz que foi Deus. Foi Deus o que, minha velhinha? Mas ela nem estirou o pescoço ainda para ver a cena. Apito a boca, um guarda cáqui acena perto dos soldados brancos. O trânsito flui.
Maceió parece em festa inaugurando supermercado novo. O motorista diz que “é gente como a peste!” Ah! Agora são as donas de casa falando em promoção, dando o preço de tudo, somando vantagens, babando a ausência. Passam as horas. No fim da tarde o tempo muda, sopra um vento frio. Enquanto aguardo exames de rotina vejo do alto as águas da lagoa. POR FAVOR, NÃO ABRA A JANELA. Mas é nada, compadre! Quem diabo quer deslocar a vidraça! Basta o pulo de tal “Jamaica” da ponte de Santana. Concentram-se as nuvens sobre as água da lagoa. Cinza muito escura no alto, superfície clara, cinza uniforme até as barreiras. Longe, uma faixa parece metal incandescente contrastando com as nuvens da tardinha. As águas de cassa conquistam e vão aspergindo na lagoa Mundaú.
Chega minha vez de atendimento. A mulher de branco manda sentar, pergunta e anota. Anota e pergunta. E como quer saber sobre as minhas atividades, falo também dos escritos diários na Internet., no compromisso comigo mesmo que faço questão de cumprir. A médica fica sem saber como é que alguém pode escrever crônicas diárias. Onde encontrar tanto assunto assim, continua a mulher da Ciência. Encolho meus ombros e digo que não sei, mas assunto não falta. E enquanto ela baixa a cabeça e escreve, digo acanhado, tímido, com reservas: “O assunto de amanhã é a senhora”. O Sol quer se esconder quando deixo o prédio. A lagarta de automóveis na Avenida vai se encorpando na volta doida para casa. Passageiros parecem cansados nos pontos de espera. Passa o vendedor de CDs piratas poluindo o ar. Coletivos param bruscamente. Um homem observa da esquina, puxa um lápis e anota. Talvez também seja cronista DESENHANDO A TARDE.
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