domingo, 12 de setembro de 2010

MOÇA-BRANCA

MOÇA-BRANCA
(Clerisvaldo B. Chagas, 13 de setembro de 2010)
     No tempo do coronelismo, a força predominante era a da Guarda Nacional, criada pelo desespero e sede de poder do padre Diogo Feijó. Desconfiado das Forças Armadas, Diogo organizou suas próprias forças em todo território nacional, sendo no Nordeste com os fazendeiros e suas cabroeiras. Em tempos de eleições, raras vezes o candidato governista perdia. Os fazendeiros mandavam seus capangas piquetar às estradas e só passavam eleitores da situação, imediatamente identificados. Resistir significava apanhar ou virar defunto no retorno a casa. Após essa fase maior da truculência, o bacamarte foi substituído pela outra face do coronel que era a da simpatia envernizada. Ao invés da presença ostensiva da carabina, os donos do “gado” resolviam agradar o eleitor com presentes e almoço ou na casa-grande ou em casas de amigos nas vilas e cidades. O prestígio do coronel era traduzido em número de bois abatidos, fato que virava festa onde o matuto comia até tinir a barriga. Para as mulheres, os coronéis chegavam com vestidos, calçados e sombrinhas. Os homens ganhavam chapéu, botinas e, às vezes, liforme completo. Com o controle flexível sobre os votos, por parte dos mandantes, o eleitor pelintra comia e arranjava mais presentes nas casas de outros candidatos. A prática de fornecer alimentos e presentes aos eleitores também acabou sendo proibida por lei. Essa lei, entretanto, não foi cumprida imediatamente. A multidão que se formava defronte a residência indicativa do cheiro de boi na panela, ainda levou certo tempo para se acostumar. Os coronéis que já haviam usado os dois métodos de conquista partiram, então, para o terceiro modo, o que perdura até os tempos presentes: dinheiro vivo na mão. Até os últimos dias das urnas convencionais, um ditado ainda vagava nos lábios dos eleitores mais antigos, partidários eternos da situação: “Governo é governo”.
    A prática da compra de votos com dinheiro vivo é, sem dúvida, a mais eficaz, mesmo subtraindo os calotes levados pelos compradores. Essa terceira experiência foi dividida em duas partes. Na primeira, o ato da compra era realizado às escondidas e amparado pelas sombras das madrugadas. Agora, na segunda parte, tudo é feito às claras, em qualquer lugar, a qualquer hora. A pobreza e muitos cabras de peia recebem no mercado de carne, na feira das galinhas, nos pontos de carroças... E o que não falta no presente é testemunha. Quando um distribui de cinquenta, outro distribui de cem. E quando as autoridades são coniventes, dizem, recebem de maços. Esses costumes estão arraigados nas cidades, vilas, povoados e sítios do interior do Nordeste. Mas falam que também acontecem nas capitais e mesmo nos grandes centros de São Paulo e do Rio de Janeiro. Vai surgindo assim um novo tipo de democracia, material farto para os sociólogos e suas teses nacionais. Finalmente, cada freguês vai fazendo os cálculos da sua botada nos candidatos. Para a mãe cheia de filhos pequenos, a azuladinha dá para o leite da semana; fazer o quê! E para a felicidade do “pé na cova” da esquina (que também se diz filho de Deus) serve para deferir pelo menos cinquenta tubões balanceados, cheirosos e amaciantes da tão famigerada MOÇA-BRANCA.




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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

MORENO FECHA O CANGAÇO

MORENO FECHA O CANGAÇO
(Clerisvaldo B. Chagas, 10 de setembro de 2010)
     O ciclo do cangaço com o bando mais famoso de todos, o de Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, acaba de fechar com a morte do seu último homem. Trata-se do ex-barbeiro, caseiro, Antonio Inácio da Silva que, para viver em paz, adotou o novo nome de José Antonio Souto. Antonio era pernambucano e logo cedo foi morar em Brejo Santo, terras cearenses, onde sempre cultivou o desejo de ser integrante da polícia militar. Foi rejeitado pelo menos por três vezes, inclusive acusado de roubar um carneiro, apanhou da polícia e chegou a ser preso. Ao sair da cadeia matou o verdadeiro ladrão e fugiu para Pernambuco e Alagoas deixando rastros de mortes por onde passava. Em Alagoas, já chegou com fama de valente. Trabalhando em uma fazenda contra ataques de cangaceiros, fez amizade com o cunhado de Lampião, Virgínio ─ que fazia parte do estado-maior do bando ─ e a ele se integrou. Como Virgulino dividia o bando em subgrupos, cada um deles em média com seis homens e um chefete entre os de confiança, Antonio logo chefiava um desses subgrupos com o nome de Moreno. De cognome simpático e de fácil memorização, dizem, porém, que Moreno era um dos mais cruéis cabras de Virgulino. Na época em que mulher já era permitida no bando, Moreno tinha como companheira, Jovina Maria da Conceição, apelidada Durvinha, tendo participado de todas as ações do cangaço da década de 30.
     Após a tragédia de Angicos, em 1938, Moreno e Durvinha sobreviveram ainda até 1940 como cangaceiros. O casal fugiu dos sertões nordestinos para Minas Gerais, deixando um filho nas mãos de um padre. Combinaram nunca contarem a verdade a ninguém e assim viveram em Minas como pessoas comuns e nem a família desconfiava. Vivendo ali por setenta anos, o segredo só veio à tona em 2005. Durvinha faleceu em 2008 aos noventa e três anos de idade e sempre teve medo de ser degolada pelas forças volantes das caatingas. Moreno, aos cem anos, faleceu segunda-feira passada em Belo Horizonte (6 de setembro de 2010 ) e foi sepultado no dia sete no Cemitério da Saudade. Sua vida revelada deu motivos para fundação de museu, pesquisa, livro, entrevistas e filme.
     Fechado esse ciclo do cangaço com o ex-cabra Moreno, nada impede que a Literatura cangaceira continue, capenga ou não. No meio de alguns pesquisadores sérios, proliferam tantos palestrantes mentirosos, inocentes e birutas que faz gosto. E Lampião vai virando o que não foi, rolando em palavras de entusiasmos, em papéis azedos, em mentiras deslavadas. Nem sabemos dizer se as histórias do cangaceirismo ainda atraem pessoas. O que não falta é “doutor” no assunto, muito mais do que o falecido Moreno e a companheira Durvinha que conviveram com o chefão em carne e osso. Dizia Antonio em Belo Horizonte que matara vinte e uma pessoas. Os pesquisadores calculam em muito mais. Quer pesquisar? Dane-se no mundo e pesquise. Pode ser até que você encontre outro cangaceiro mais velho do que Antonio. Se não encontrar, invente. Pelo menos para a maioria dos que se dedicam a isso, MORENO FECHA O CANGAÇO.


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