segunda-feira, 9 de maio de 2011

RUA DA FRENTE

RUA DA FRENTE
(Clerisvaldo B. Chagas, 10 de maio de 2011).

          Visitando algumas cidades ribeirinhas do São Francisco, notei que todas elas têm uma rua chamada Rua da Frente. Interessante é que a rua da frente ─ para nós ─ é aquela principal, muitas vezes a maior, a mais larga, a mais importante. Nas cidades ribeirinhas, a entrada de muitas delas tem cobertura asfáltica, chegando por trás. É que esses núcleos urbanos, assim como seus povoados, foram construídos virados para o caminho natural da época, que era o rio São Francisco. A rua da frente, portanto, era a primeira em ordem de afastamento da corrente e representava privilégio para o morador, possuir a moradia bem perto do leito do rio.
          Na segunda década do Século XX, quando automóvel ainda era uma coisa rara, principalmente nos sertões longínquos, os rios desempenhavam papel importantíssimo em todos os sentidos. Além do peixe que alimentava pessoas e comércio, eles permitiam o deslocamento dos viajantes entre o litoral e o interior, através de variados tipos de embarcações, desde a simples canoa aos luxuosos navios. Na região do São Francisco, havia um comércio intenso com a exportação de mercadorias sertanejas como queijos, cereais, peles, madeira, rapadura; e importações como ferramentas, sal, açúcar, bebidas, tecidos, remédios e calçados. À medida que povoados, vilas e cidades expandiam-se, crescia a importância do transporte fluvial pela ausência de estradas de rodagem e escassez de veículos de cargas como o caminhão. Não se desmatava tanto permitindo o assoreamento de afluentes e do rio principal das bacias. Os navios, portanto, tinham condições de navegabilidade ─ no caso do rio São Francisco ─ da foz, perto de Piaçabuçu, até o núcleo de Pão de Açúcar. Temos até narração de escritor sertanejo de Alagoas, de como chegou ao Rio de Janeiro, iniciando o trajeto a partir de Santana do Ipanema, por terra, Pão de Açúcar a Propriá navegando pelo Rio da Unidade Nacional. Pão de Açúcar, segundo núcleo em importância na época, só perdia para Penedo, tal o movimento do porto entre embarcações, carros de boi, cavalos, burros e gente. Era por isso tudo que se constituía um privilégio a moradia na rua principal, a rua da frente, a que contemplava e participava de todo movimento de uma cidade ribeirinha.
          Vê-se, então, acima, que a rua da frente, com seus casarios compridos, portas e janelas típicas de madeira frisada, representava uma elite, uma nobreza local que participava de todos os eventos sociais, como desfiles, coretos para bandas de música, Carnaval, fogueiras de São João e procissões aquáticas. Queremos dizer que a rua da frente participava e dava o melhor de si, para o progresso da cidade onde se encontrava encravada.
          Como dizia o poeta Zé da Luz, “mal comparando”, as pessoas, lá longe, parecem cidades. Somos cheios de vícios, medos, esperanças e egoísmos. Somos, então, ruas do vício, do medo, da esperança, do egoísmo. Difícil mesmo para a humanidade é possuir a nobreza virtuosa da RUA DA FRENTE.





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ARQUIVOS DO CANGAÇO

ARQUIVOS DO CANGAÇO
(Clerisvaldo B. Chagas, 10 de maio de 2011).

          Há cerca de quinze anos atrás, resolvi fazer um livro diferente sobre Lampião. Um livro, como a inédita História de Santana, sobre todos os combates do bandido, registrados e não registrados pelos historiadores. Logicamente o trabalho iniciaria com o seu nascimento e iria evoluindo para as primeiras arengas, as primeiras lutas entre vizinhos, as arruaças praticadas em Pernambuco e Alagoas, seu ingresso em bandos da época, até a sua ascensão ao comando de um deles. Daí em diante, viria à fase de todos os seus combates, dia a dia, mês a mês, ano a ano até desembocar no fatídico 28 de julho de 1938. Quase tudo foi feito, quando abandonei o trabalho por motivo de ser um assunto “pesado” de muitos fluidos negativos, o que deixa o historiador exausto. (Não sei se isso acontece com outras pessoas que se dedicam a falar dos mortos). Somente agora, devido àquela velha faxina que se faz para se livrar de inúmeros papéis velhos, mexi novamente no assunto. São dezenas e dezenas de fotos relativas ao cangaço, reportagens anuais do mês de julho, depoimentos inéditos de volantes que participaram do massacre e moravam em Santana do Ipanema e manuscritos de todos os combates em ordem cronológica, dias, meses, anos desde 1921 a 1938.
          Para não jogar fora, livrar-me de todo esse acervo, resolvi aproveitar as tecnologias do momento. Pode ser que mais tarde seja útil para alguma coisa ou para alguém. Assim vou tentando escanear uma pasta lotada de papéis amarelados tentando livrar-me dos ácaros usando máscaras improvisadas. Isso não é tão simples como a gente pensa. Para colocar tudo em disco, dá um trabalho que limita a paciência, além da sequência de meio mundo de papel, o manejo da máquina, nem para frente nem para trás e ainda por último ter que digitar todos os manuscritos encontrados. Além do final vem à conferência minuciosa, as comparações, o raciocínio lógico. Não pretendo mais transformar tudo em livro, pois já existem mais de mil títulos no mercado sobre o ensebado assunto que pretensos historiadores continuam escorregando. Mas, quando terminar tudo e livrar-me desses papéis velhos, talvez publique uma semana ou mais de crônicas a respeito de coisas que ainda deslumbram meia dúzia.
          Vejo a pilha de papéis soltos e está ali Inácio louvando aos céus; Samateu, irmão de Cila (a mulher mais bonita do bando) narrando sobre o tesouro de Lampião; a casa de Bié da Emendadas; a narrativa sobre o último cangaceiro a se alistar na quadrilha; a primeira notícia sobre a hecatombe de Angicos; todos os detalhes do dia 28 de julho de 1938 em Santana do Ipanema (coisas que nem os próprios santanenses de hoje sabem); e tantas outras minúcias para quem não tem o que fazer. E assim, com muito respeito aos que já se foram, evitar contar mentiras sobre eles é o melhor remédio. Portanto, lá vai parte do meu final de semana lutando com os cangaceiros. Sem mais no momento, vamos passando para o virtual os ARQUIVOS DO CANGAÇO.


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