quinta-feira, 7 de junho de 2012

SANTANA, SAUDADES ETERNAS


SANTANA, SAUDADES ETERNAS
Clerisvaldo B. Chagas, 7 de junho de 2012.

Nesses primeiros dias do mês de junho, entre o engodo das chuvas e os farrapos da frieza, fomos pesquisar na periferia de Santana do Ipanema. Acertamos na região em que está situado o enorme Hospital Clodolfo Rodrigues de Melo, no Bairro Floresta, que congrega diversas localidades. Logo que deixamos o calçamento, fomos contemplando a outra face da urbe. Vizinho ao hospital foi construído em lugar íngreme, um conjunto habitacional, ladeira abaixo quando ainda era prefeito o senhor Paulo Ferreira de Andrade e sua desastrada assessoria. Dois erros frutos das mentes sem nexo: as casas na época foram chamadas “casas de pombos”, onde o pescoço do cidadão deitado ficava fora da porta da frente e os pés sobravam na porta de detrás. Sem nenhuma infraestrutura, até hoje, passados tantos anos, a erosão come sem parar a rua da pobreza e da miséria do chamado Conjunto Marinho. Nada mudou. Absolutamente nada, com exceção da produção de crianças vagando em esgotos a céu aberto. A palavra “Marinho” é homenagem ao antigo dono daqueles terrenos (pai do médico que empresta seu nome ao hospital) comerciante Marinho Rodrigues.
          Mais abaixo bem por trás do hospital, o abandono total também mora em outro conjunto popular denominado Cajarana. Por enquanto o marco do nome ainda permanece vivo: uma frondosa Cajarana centenária que o machado ainda não viu, indica o ponto do sofrimento discriminatório, outra face da moeda. O lixo toma conta das ruas e quando vêm às chuvas vão engolindo as laterais da estrada de rodagem, feita não sabem por quem. Mais abaixo, outro conjunto habitacional vive o drama dos dois primeiros. Chamado Santa Quitéria, ainda é o menos sofredor, mas a falta d’água constante e a ausência de benefícios do poder público, não recomendam a morada por ali. O final da Rua da Floresta que se liga com as Tocaias, afora uma organizada creche que existe, o restante apenas oferece medo a quem transita por ali, principalmente durante a noite. Entre toda a rede periférica de Santana do Ipanema, “Rainha e Capital do Sertão”, esses três conjuntos representam atualmente o miolo do descaso, do abandono, da miséria e do receio dos transeuntes.
          Quer esquecer essa face? Procure o luxo da praça principal do bairro Monumento, denominada pelo povo de “praça dos ricos”, única escovada e paparicada de todos os dias, vizinha de onde desabou a mais tradicional escola da cidade “Padre Francisco Correia”, que assim continua a pedir socorro em vão ao poder público. Santana do Ipanema, minha terra que ainda não encontrou quem a administrasse corretamente, perdeu mais uma esperança de desenvolvimento: a faculdade de medicina que vai para Arapiraca. O epitáfio é claro: “SANTANA, SAUDADES ETERNAS”.

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terça-feira, 5 de junho de 2012

ÓI A PESTE!


ÓI A PESTE!
Clerisvaldo B. Chagas, 5 de junho de 2012.

 E naquele mixuruca lazer no “bar do Bacurau”, torna-se possível o famigerado miolo de pote, o jogo da conversa fora, a morte do tempo entre goles da geladinha. O assunto vai sendo molhado no banal do dia a dia, na malandragem santanense dos arredores, nos estepes expostos da vida alheia. O bebão conhecido está ali perto. Vai perturbando a conversa dos equilibrados. Posto num canto com delicadeza, entre um pedido e outro da branquinha, excluído pela roda, vai dando sua opinião curta na conversa alheia. Limita-se a uma frase simples e insistente, a cada conclusão da mesa: “É verdade!”. A roda esgota todos os temas possíveis e fatalmente entra na política. Mas o candidato X não é de Santana, é apenas um forasteiro, testa de ferro da situação. E o bêbedo: “É verdade!”. E Fulano de tal, deixou a vez dele passar, lascou-se. Não vai ser prefeito de Santana nunca. Estou certo ou estou errado? Não, está certo. E o bebão: “É verdade!”. Do ex-prefeito Beltrano o povo não quer ver nem a fala do sobrinho metido a candidato. Ninguém quer mais esse povo. É uma rejeição danada. “É verdade!”. Em minha opinião tem que aparecer um nome novo e que seja de Santana. “É verdade”, confirmava o cricri, doido para tomar outra à base do “pague uma”.  
              O artista plástico e caricaturista Roninho, vez em quando defendia o seu possível candidato a vereador. Ficava na corda bamba entre a efervescência política e o tira-gosto de bode por via aérea. Olhem! Um negócio danado! Nem os quadros de famintos personagens da seca e cangaceiros das paredes, faziam calar os animados amigos do Bairro São José. Foi chegando mais gente: escritores, professores, advogados, agrônomos, palpiteiros em geral. Tudo representava fonte de rejeição do ébrio encostado e esperança de uma reforçada moça branca. Naquele momento perguntaram a um domingueiro quem era o seu candidato a prefeito. O homem nem titubeou. Disse quase gritando que o seu candidato a prefeito era aquele que estava ali na parede. E apontou a pintura mais nova de Roninho, um cangaceiro aleijado e do olho troncho. Os outros aplaudiram imediatamente e, o pinguço mais uma vez aprovou: “É verdade!”.
             Chegou um momento em que todos pareciam meditativos. Houve um silêncio supimpa no bar do Bacurau. Foi quando alguém, iniciando nova conversa, indagou se os demais tinham lido matéria sobre a posição de Vênus, o planeta que iria se aproximar da Terra. Um deles rebateu meio tristonho: “É para isso que existe camisa-de-vênus”. Descambando para o outro lado da história a roda de intelectuais, o bebão não teve dúvidas, mudou o tom. Ao invés de repetir a enjoativa frase: ”É verdade”, adaptou-se aos novos tempos. Engoliu a branquinha de uma só vez, temperou a goela e disse com desconfiança, encerrando a rodada do fim da manhã: “ÓI A PESTE!”.

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