terça-feira, 13 de novembro de 2012

CANTADOR DE VIOLA



CANTADOR DE VIOLA
Clerisvaldo B. Chagas, 14 de novembro de 2012.
Crônica Nº 907

A Literatura de Cordel sempre apresentou criatividades para a “peleja”. Uma cantoria de viola entre repentistas nordestinos era chamada pelos cordelistas de “peleja”. Assim surgiram muitas cantorias famosas em folhetos vendidos nas feiras com as capas em xilogravura. Peleja de Severino Pinto X Severino Milanês; peleja de Carneiro X Serrador... E assim por diante. Em uma delas, não lembro mais o autor e nem os protagonistas, a dupla sai da básica e tradicional sextilha para o martelo agalopado. O martelo agalopado é entre os mais de quarenta gêneros de uma cantoria, o mais nobre e belo de todos. Nessa versão se canta de tudo, porém, é praxe usá-lo para um desafio. Um desafio, uma discussão sobre conhecimentos os mais diversos, pode pender até para o baixo calão, conforme o estado de espírito dos cantadores.  A cantoria a que estamos nos referindo, um dos repentistas saiu-se com esta estrofe:

“Certa vez agarrei um violeiro
Dei-lhe murro com meu possante braço
Que a cabeça voou pelo espaço
Foi cair lá no Rio de Janeiro;
Uma perna caiu em Limoeiro
E a outra caiu na Indochina;
A viola caiu na Cochinchina
A barriga e a espinha dorsal
Desabaram na França e Portugal
Foi o fato cair na Palestina”.

Certa feita, em palestra com um político e pesquisador do folclore, na cidade de Senador Rui Palmeira, contávamos histórias um para outro. A sua preferência era justamente pela cantoria de viola, glosas e versos ocasionais que formam historietas imorredouras. Entre uma geladinha e outra, às vibrações constantes pelas estrofes bem acabadas dos crânios do Sertão. Pessoas amantes da arte do repente iam encostando, puxando uns banquinhos e engrossando a turma dos apologistas. Depois de muitas gargalhadas e rodízio das “louras”, recitei a estrofe acima e fiquei aguardando o resultado. O pesquisador, mas também político e adversário do prefeito da época levantou-se sério, apoiou-se num galho de árvore com o braço, tirou o chapéu e suspirou. Depois olhou para a turma de amigos e disse por aqui assim: “Que pena! Parece que isso só acontece com CANTADOR DE VIOLA”.

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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

ASSUMINDO O LUGAR



ASSUMINDO O LUGAR
Clerisvaldo B. Chagas, 13 de novembro de 2012.
Crônica Nº 906

Esses movimentos religiosos com seus cantos alegres e tristes, de início de novembro, levam-me a lembrar de duas pessoas da minha infância. É interessante para o pesquisador encontrar em vários recantos desse Nordeste, gente que se destaca nas comunidades, de uma forma ou de outra. Era assim que se sobressaía Dona Maria Néris, no povoado Pedrão (é) nos cânticos do Ofício de Nossa Senhora. Povoado da, então, vila de Olho d’Água das Flores, o Pedrão não dispunha de padre permanente. Mas o sentimento católico dos seus líderes, entre eles, minha tia Delídia, fazia puxar o terço todas às noites na bela igreja branca daquele povoado. Outras vezes era o ofício de Nossa Senhora, quando a voz estridente e inconfundível de Dona Maria Néris, cobria as outras vozes na homenagem segura à Virgem Mãe de Jesus. Eram de arrepiar as estrofes que doíam nos ossos dos meninos. Dona Maria costurava enquanto o marido Antonio exercia a profissão de marceneiro, mais um seguidor de São José. Mais tarde o casal mudou-se para Santana do Ipanema, indo morar quase defronte a minha casa.
Vez em quando eu subia a calçada alta para brincar com seu filho Antonio, o qual apelidamos de “Tonho Bié”. Dona Maria Néris havia intensificado suas ações de costura e Seu Antonio não parava o serrote na madeira. Tornaram-se pessoas queridas e apreciadas na Rua Antonio Tavares. O senhor Antonio era alto, magro e atlético, homem que não media esforços em prestar seus serviços a quem o procurasse. Dona Maria Néris, sempre que encontrava oportunidades, continuava desempenhando o seu papel de católica, emprestando a sua voz. Lembro bem da sua filha Sônia que terminou casando com um rapaz de Santana. “Tonho Bié”, quando adversário de jogo de bola, no meio da rua ou nas areias do Ipanema irritava pela eficiência da sua defesa chutando de “paêta”. Já mais velho, Bié, tornou-se “rato” nas sinucas do Salão de Zé Galego. Ainda hoje estão as casas onde habitaram muitos personagens que abrilhantaram a rua da minha juventude. Várias estão em estado lastimável, guardando os segredos de uma dinâmica temporal.
O motivo desse trabalho foi mais por Seu Antonio, marceneiro, ter passado no meu sonho de ontem. Encerro meus escritos fazendo essa homenagem com a frase que citei no final do sonho, em relação a ele e ao também carpinteiro pai de Jesus: “Quando São José deixa a oficina, Seu Antonio vai ASSUMINDO O LUGAR”.



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