quarta-feira, 21 de agosto de 2013

PROTESTO NO IPANEMA



PROTESTO NO IPANEMA
Clerisvaldo B. Chagas, 21 de agosto de 2013.
Crônica Nº 1071


RIO IPANEMA, TRECHO URBANO EM S. DO IPANEMA, 1983. (AUTOR).
No velho poço dos Homens
Hoje a lembrança medra
Cercado de areia e pedra
Só não iam lobisomens
Mostravam-se os abdomens
Com o calção remendado
Ás vezes um velho pelado
Tomava banho à vontade
Hoje só resta saudade
Do velho poço afamado

Tinha ali o “estreitinho”
Numa garganta rochosa
Lugar de cachaça e prosa
Que do largo era vizinho
Além de ser bonitinho
Profundo como um danado
Matava o povo afogado
Se fosse com liberdade
Hoje só resta saudade
Do velho poço afamado (...)

TRECHO URBANO DO RIO IPANEMA EM S. DO IPANEMA, 1983. (AUTOR).
No rio Ipanema de tudo se joga
Sapato, tesoura, martelo, penico,
Camisa de pobre, cueca de rico,
Resto de farmácia, molambo de toga,
Contas de rosário de alguém que roga,
Lata enferrujada, corda de laçar
Sutiã redondo que alguém quis jogar
Pedaços de sebo, metal de cinzeiro,
Garrafas de tudo, chifre tabaqueiro
Que as águas nem levam pra beira do mar.

No rio Ipanema se joga panela
Galinha doente, rato apodrecido,
Papel higiênico, chapelão roído,
Fezes de esgoto, madeira, tramela,
Calçola de velha, cadeira de tela,
Jogo absorvente de mulher usar,
Cachimbo de coco de negro pitar,
Que alagam com tudo, que cobrem os terrenos,
Pedaços de tanga, camisa-de-vênus,
Que o Panema carrega pra beira do mar.

No rio se lava fato de bovino
Carroça de burro, roupa de enfermos,
Só tem funga-funga nos lugares ermos,
Lavam-se cueiros, bunda de menino,
Defecam nas margens, no capim mais fino,
Aparece o jumento para se espojar,
A jumenta relincha querendo brincar,
A água aparece no terreno morno,
Com fato, com pedra, com casco, com corno,
Transporta todinho pra beira do mar.

·         Do livro, “Ipanema Um Rio Macho”, págs. 35-37, 2011. Autor.







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terça-feira, 20 de agosto de 2013

PERÍODO DAS CHEIAS



PERÍODO DAS CHEIAS
Clerisvaldo B. Chagas, 20 de agosto de 2013
Crônica Nº 1070

RIO IPANEMA, POÇO DO JUÁ. (Autor).
Durante as trovoadas de final ou início de ano ou nos bons tempos de invernos, o Ipanema botava cheias. Toda a cidade parava para vê o Ipanema inchando largura no poço do Juá, cobrindo o poço dos Homens, descendo, abarcando o espaço todo que era seu.
Passávamos horas embevecidos com aquela força descomunal, viril e barrenta que causava espanto, medo e respeito. Passavam baraúnas arrancadas pela cepa na força do Ipanema, um rio Macho; vasos de flandres de guardar feijão, bois, cachorros mortos, garranchos, móveis, cercas, tecidos... Tudo boiando aos nossos olhos irrequietos. Poucos ousavam enfrentar a fera quando estava assim. Vez em quando aparecia um exibicionista para atravessar a corrente sob aplausos e apreensão da torcida. A água, não raras vezes, insistia no seu nível máximo durante horas e mesmo dias seguido, até que começava a dar sinais de cansaço.
Os canoeiros começavam a labuta de embarcar gente em frágeis canoas para ambas às margens pelo poço do Juá, repleto de “carneiros”, “panelas” e “fervedouros”. Com os passageiros iam diversas mercadorias e, verdade seja dita, nunca soube que tenha caído alguém de uma dessas bravias canoas.
Então, nós crianças, adolescentes e adultos, escolhíamos entre os lugares, Juá, poço dos Homens e outros para as primeiras aventuras nas cheias: banhos e mais banhos nos arriscados carneiros, panelas e fervedouros.
RIO IPANEMA, POÇO DOS HOMENS. (Autor).
Os mais diziam: “Panema botou cheia, levou um”... O que sempre foi verdade. Outros gritavam: “Cuidado, rapaz, que água não tem cabelo”. Também era verdade.
Aprendi a nadar como os meninos da minha época: com duas cabaças amarradas ao corpo, servindo de boias, na parte mais rasa do poço dos Homens. Pulei pela primeira vez num lugar profundo e sem boia, num dia de cheia nos carneiros do poço dos Homens, num ímpeto de desafio e doidice. Nunca mais deixei de tomar banho no poço.
No Juá, medíamos a intensidade da cheia pela chegada da água na cumeeira da casa mais próxima do rio. Muito mais à jusante, a marca era através da Pedra do Sapo, próximo da hoje Rua da Praia.
Quando o rio ficava manso, toda a cidade descia para o domingo na água. Em toda a extensão urbana, a população lotava o Ipanema com passeios, banhos, cavalos, jogos de futebol, petecas, latidos de cachorro, numa latomia sem fim.
Uma ou outra vez... Notícia de um afogamento
·         Págs. 31-32 do livro “Ipanema, um rio macho”, 2011, autor.


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