domingo, 29 de dezembro de 2013

LAMPIÃO, LAPIAL E O GAGO



LAMPIÃO, LAPIAL E O GAGO
Clerisvaldo B. Chagas, 30 de dezembro de 2013
Crônica Nº 1114 (Inédito)

O assassino, bandido, gênio militar, Lampião, gostava de cortar caminho por Alagoas. O costume era entrar pela região serrana do estado ─ Mata Grande e Água Branca ─ e depois seguir por um dos dois roteiros: descia em direção ao rio São Francisco e dali subia para Pernambuco, entre Cacimbinhas e Palmeira dos Índios ou descia dos dois municípios primeiros e tirava direto. Quer dizer, marchava pelo raso de caatinga que correspondia a Inhapi, Carié, Olho d’Água do Chicão (atual Ouro Branco), até Águas Belas e região do Pau Ferro (hoje Itaíba). Naqueles lugares tinha protetores de peso como os coronéis Audálio e Gerson Maranhão.
A três léguas do Pau Ferro, no sítio Saco, morava o senhor João Leite de Carvalho e sua esposa Maria Leite de Carvalho. Quando precisava, o senhor João ajudava no trabalho da fazenda Angico Torto, de Gerson Maranhão.
Quando Virgolino se separava da companheira, Maria Bonita acoitava-se na casa do senhor João Leite, onde nunca lhe faltou nada. Mas Lampião não conhecia João Leite que por ser gago e tato, também era conhecido como João Gago.
Certa feita João foi ao mato extrair varas para fazer uma casinha de taipa. Durante o seu trabalho foi cercado por um grupo de Virgolino Ferreira, comandado por ele mesmo. O chefe prendeu imediatamente o agricultor e começou a interrogá-lo. Gago e tato e ainda mais, nervoso, o senhor João com sua fala emperrada, distorcida e incompreensível, irritava Lampião que pensava que o homem estava espionando a área para levar informações às volantes. Então, o bandoleiro começou a bater no agricultor, aplicando-lhe tremenda surra com a folha do punhal. O gago durante o aperreio gritava que “parasse com aquilo, Lapial!”. Quanto mais implorava, mas Lampião batia.
Maria Bonita que estava na casa do agricultor, ouviu os gritos, justamente com as outras pessoas, quando dona Maria Leite disse correndo em direção à mata: “Aquilo é João e eu vou lá”. Quando Maria Bonita riscou em cima da bagaceira, berrou para o amante que não batesse no homem que a vítima era o dono da casa onde ela costumava se hospedar. Lampião ficou atônito, guardou o punhal e ele mesmo disse: “Pois ele escapou por um triz, já ia sangrá-lo”.
João Gago viveu muito tempo ainda e, dentro do seu conformismo, continuou agora servindo aos dois, Maria Bonita e Lampião.
O neto do senhor João Leite, Lourival Carvalho, contou o episódio, mas não soube dizer se depois das lapadas de punhal o gago conseguiu o milagre de ficar bom da língua. 
* IMPRESSÃO EM LIVRO SÓ COM AUTORIZAÇÃO DO AUTOR. DIREITOS AUTORAIS.

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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

RASTRO DE COBRA



RASTRO DE COBRA
Clerisvaldo B. Chagas, 27 de dezembro de 2013.
Crônica Nº 1113

RODOVIA CARIÉ-INAJÁ
Desde quando eu era menino que acompanho essa péssima novela, muito pior do que as piores da televisão: o anúncio da cobertura asfáltica do Entroncamento Carié, sertão de Alagoas, à cidade de Inajá, Pernambuco. O nome Carié marcava apenas um lugar deserto, perto da entrada de uma bonita casa de fazenda e nada mais. Como forma uma encruzilhada, em sentido norte-sul liga Garanhuns (Pernambuco) a Paulo Afonso (Bahia) e, em sentido leste-oeste liga Santana do Ipanema (Alagoas) a Inajá (Pernambuco) para dizer apenas das cidades mais perto do entroncamento. Acontece que o trecho Carié-Inajá foi tema dos melhores novelistas da política alagoana. Muitos votos daquela região ajudaram à gravata italiana de muitos demagogos. Uma casinha é erguida no Carié, mais outra casinha, um bar, uma churrascaria, hotel, borracharia e outras casitas mais vão se chegando à beira da estrada, formando hoje o povoado conhecido.
Do Carié a Inajá, a estrada de barro continua ao sabor dos tratores dos grandes, quando resolvem mostrar serviço. E os produtores rurais vão ficando cada vez mais acuados com as condições de poeira e lama por onde transitam suas mercadorias. Da região sai o feijão, milho, melancia, leite, queijo, rapadura, frutas, carnes e diversos outros produtos que ajudam no abastecimento do estado. Ultimamente os assaltos na BR-316 pelada e nos bancos do Alto Sertão, soam como imensas gargalhadas ao pé do ouvido do poder público.
O senador Fernando Color de Melo anuncia um benefício grandioso, se realizado. Mesmo que a licitação saia hoje no Diário da União, ela demora. Depois vem a verba e as chateações dos cortes em nova etapa do faz não faz. Muito bem, pensemos nas coisas boas, num sonho rodoviário de Maceió a Inajá em uma marcha só. Mas por que o senador não asfaltou o trecho de apenas 49 quilômetros quando era presidente e casado com uma filha da região em tela? Sim, é verdade, antes tarde do que nunca, mas tudo isso ainda é uma questão de crença.
O matuto cruza aquela estrada todos os dias. Ainda vê raposa, gavião, teiú, jumento, furão e jaburu, mas um tiquinho só do asfalto peleja e não encontra. Esse bicho raro é generoso em outros lugares, mas na estrada Carié-Inajá, faz bunda de ema e RASTRO DE COBRA.

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