O ESGOTO DE DADINHO Clerisvaldo B. Chagas, 26 de agosto de 2014 Crônica Nº 1.247 Antônio Ermírio de Morais desencarnou, deixand...

O ESGOTO DE DADINHO



O ESGOTO DE DADINHO
Clerisvaldo B. Chagas, 26 de agosto de 2014
Crônica Nº 1.247

Antônio Ermírio de Morais desencarnou, deixando um respeitável legado de dignidade e admiração a sua pessoa, pelo povo brasileiro. Infelizmente temos que contar nos dedos homens que são exemplos de honradez nessa época minada e apodrecida. As decepções são enormes com mentirosos, corruptos aves de rapina que arrastam as garras no patrimônio do país.
Penso no riquíssimo e humilde Ermírio, penso no período infantil da hoje Rua Teresa de Jesus, em Santana do Ipanema. Já me referi aos personagens Zé Alma e seu irmão Dadinho. O pai ganhava a vida como sapateiro ao lado dos fundos do casarão de Júlio Pisunha, onde se fabricava colchões de juncos. José, tão alvo, tão magro, cabelos louros, quase brancos, batendo sola em cima do joelho fino. Não tive como não apelidá-lo de Zé Alma. Seu irmão mais novo era forte, bochechudo, baixo e ativo para ganhar seu dinheirinho nas imediações. Dadinho era vulgo antigo.
Havia uma bueira (talvez ainda esteja lá) e que se iniciava na Rua Nova, a três metros do bar que funcionou décadas em Santana com o nome “Bar do Erasmo”. 150 ou 200 metros adiante, sua saída situava-se vizinha à casa dos pais de Zé Alma.
Pois bem, Dadinho, rapazinho esperto, ganhava boas gorjetas para mergulhar no túnel nojento e só despontar na saída, além da rua de baixo. Hora muito boa aquela de apanhar a verba prometida.
Mas como era (ficávamos a indagar) que uma pessoa enfrentava um esgoto contínuo, sem suspiro algum, que poderia conter fezes, urina, ratazanas, cobras, sapos, jias, lagartas, objetos cortantes e tantas coisas mais. Era um duvidar medonho que o rapaz cumpriria o trato feito diante de tantas testemunhas. Mas Dadinho sempre surpreendia, rompendo do outro lado, limpinho, feliz e ansioso para estirar a mão às notas dos pagantes.
Volto ao início do raciocínio. A bondade democrática do país faz-nos ver de volta caras em que a vergonha já deveria ter comido há muito. Como são poucos os valorosos! Como são muitos os que se adaptaram ao ESGOTO DE DADINHO.





AS MORTES EM SANTANA Clerisvaldo B. Chagas, 25 de agosto de 2014 Crônica Nº 1.246 Até papagaio tem medo, em Santana (Foto: Cle...

AS MORTES EM SANTANA



AS MORTES EM SANTANA
Clerisvaldo B. Chagas, 25 de agosto de 2014
Crônica Nº 1.246

Até papagaio tem medo, em Santana (Foto: Clerisvaldo).
Ultimamente a juventude brasileira vem sendo dizimada pelas drogas e pela violência das balas. Houve tempo em que as doenças tomavam conta do país, pois a Medicina andava em passos de jumento. As comunicações também não eram fáceis, sem falar nas péssimas estradas que cortavam a nação, baseadas no chamado barro ou terra. Não havia profissionais médicos o suficiente e nunca aconteceu um planejamento desses profissionais pelo interior, sempre relegado ao segundo plano.
Quem não se lembra moradores desse estado de Alagoas, das constantes viagens que se fazia transportando doentes para Palmeira dos Índios ou Maceió que, para o interior representavam o fim de mundo, em estrada de terra?
Lembro-me perfeitamente que a cerca de 20 anos atrás, o comércio santanense começava a se preocupar com os pequenos roubos no comércio. Advertências foram feitas que seria preciso cuidar da juventude periférica, sempre abandonada pelo pode público. Mas também a sociedade tinha sua parcela de culpa porque se isolava nos seus eventos particulares e coletivos e não chegava junto com nenhuma enxada para passar na erva daninha que crescia bastante.
Foi construída pela sociedade civil organizada um abrigo para velhinhos que lutando sempre ainda se encontra de pé. A rede de caridade que havia no Colégio Instituto Sagrada Família, trazida por irmãs holandesas, foi destruído por um padre que se julgava rei.
Continuou a sociedade aguardando apenas a assistência do poder público, como se ela existisse e fosse perfeita em toda sua plenitude. E o resultado é esse que lemos nos jornais de cada dia. Abandonada completamente, em todas as áreas, a erva daninha proliferou e hoje mostra o resultado do abandono, do descaso, do olhar enviesado que o centro lhe envia.
O bairro Maniçoba/Bebedouro dá o toque de recolher a partir das 18 horas. Todas as portas são fechadas e ninguém transita por ali. Bairro Lajeiro Grande, Rua da Praia, Santa Luzia, Cajarana, conjunto Marinho, Bairro Domingos Acácio, Lagoa do Junco, Cohab Velha e mais, são lugares que vão ficando assombrados pela noite, onde pessoas de outras regiões procuram evitar. Até mesmo para se conduzir um doente ao Hospital, durante a noite, o receio toma conta de qualquer um que se aventure, mesmo de carro.
Enquanto isso, a droga, o assalto, o roubo, os tiroteios vão fazendo à cidade refém da insegurança e do medo.
Certamente, com tudo isso, Santana do Ipanema ainda é uma das melhores cidades de Alagoas para se viver. Mas já começou, de fato, a pagar a falta de mobilização pela vida e que sozinho o poder público não consegue resolver. Talvez ainda seja possível deixar de olhar para dentro de si mesmo e se organizar em mutirão permanente pela juventude pobre, paupérrima, faminta e sem opções das periferias.