segunda-feira, 6 de julho de 2015

A AGONIA DOS CASARÕES



A AGONIA DOS CASARÕES
Clerisvaldo B. Chagas, 7 de julho de 2015
Crônica Nº 1.444
(Para o escritor Fábio Campos)
Foto (Repórter Alagoas).
Certa feita, na capital pernambucana, ficamos impressionados com inúmeros casarões antigos, no centro. Muitos querendo apenas um empurrão para o fim da agonia. Lembramos imediatamente na nossa Maceió que estava na mesma situação do Recife.
O tempo faustoso, início do século XX, deixou apenas a lembrança nos potentes casarões, escorados hoje na bengala do enjoo. As antigas famílias ricas de comendadores, barões e tantos outros bem sucedidos nos negócios, desapareceram, faliram, modernizaram-se, abandonando bangalôs, palacetes, armazéns, a mercê das intempéries.
Os estados, repletos de patrimônios físicos tombados, não encontram mais dinheiro para nada. Caem de velhice e abandono, igrejas, trapiches, mansões, cadeias e museus. Tombam no meio da rua sem vida como o mendigo esquecido encontrado morto sob a marquise.
A queda do teto da antiga Secretaria Estadual de Educação é um exemplo. Bem ali, em pleno comércio da capital, abençoado o prédio pela santidade defronte de outro patrimônio aceso, a conhecidíssima igreja de São Benedito. Templo onde faleceu repentinamente o ex-governador, ex-interventor de Santana do Ipanema, aquele que elevou a vila à cidade, padre Capitulino.
Em muitos lugares da capital, casarões e mesmo prédios pequenos, estreitos, antes valorizados por seus pontos estratégicos, como os da ladeira do Brito, causam desgosto até no olhar do historiador, do curioso, do saudosista.  Maltratados, sofridos, são apenas alugados por qualquer coisa, cujo zelo da fachada e do interior está longe dali. O tempo devora prédio, devora gente, tudo devora.
Esfuma-se o dinheiro público, vai-se a verba particular, gemem as cumeeiras de cedro, as travas de baraúnas, as portas de nogueira. Ficam os prédios corcundas espiando as ruas. Talvez esperançosos pela volta do bonde, do chapéu panamá, do vestido europeu, do perfume francês, quem sabe, até de um seresteiro à antiga para a companhia de uma noite só.


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domingo, 5 de julho de 2015

OS DENTES E O LADRÃO



OS DENTES E O LADRÃO
Clerisvaldo B. Chagas, 6 de julho de 2015
Crônica Nº 1.443

Foto: (pandeiro/divulgação).
É aquele dia difícil que nos pega de surpresa. Motoristas de buzão permitem a subida de ambulantes para aporrinhar ainda mais o trajeto sofrido dos passageiros. E naquela cantilena toda você deseja mais do que nunca chegar a sua casa. Eis que de repente tem acesso ao interior do coletivo, dois cabrinhas baixos, novos e papudinhos. Trata-se de uma dupla de embolares com pandeiro à mão.  Querem ser rápidos de um ponto de ônibus a outro, elogiando os passageiros em busca de trocados. Enquanto o primeiro fica na marcação (estribilho de uma linha só) o outro repentista vai elevando as qualidades fictícias dos passageiros em ligeiras estrofes de quatro versos (quadrinhas). Uns contribuem, outros não.
A máquina fotográfica vai comigo, mas o enfado não me anima em nada.
O repente do embolador é diferente do repente do violeiro, pois é desleixado na rima, repetitivo e pobre nas terminações. Entretanto, são bons no ritmo e na métrica. O maior valor, contudo, das duas correntes, está na criatividade, no falar diferente, no dizer do que nunca ninguém disse. E foi assim que resolvi deixar de fazer comparações e prestar atenção na criatividade dos papudinhos de Maceió.
O amarelo fazia os elogios, o moreno fazia a marcação:

“Vou contar, vou contar...”

A minha espera teve recompensa. Exaltando um passageiro e outro normalmente, veio à criatividade quando uma senhorita mostrava um aparelho de correção da dentadura. Diante do silêncio total da plateia improvisada, o papudinho amarelo, aguardou o moreno:

“Vou contar, vou contar...”

“Essa mocinha
Que escuta os meus repentes
Mandou amarrar os dentes
Pra o ladrão não carregar...”

Foi uma gargalhada só e geral dentro do coletivo.
Que bela imagem o peste do papudinho foi buscar! E eu que pensei que o povo não entendesse do riscado.
A moça ficou constrangida, não pagou ao poeta, mas também não teve os dentes levados pelo ladrão.





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