quinta-feira, 4 de maio de 2017

BUCHO DE ALASTRADO



BUCHO DE ALASTRADO
Clerisvaldo B. Chagas
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.669

ALASTRADO. Foto (divulgação).
Como uma coisa puxa outra, o programa de TV que ontem mostrou os horrores da seca do Nordeste, trouxe lembranças de violência. E foi especificamente em cenas de um cidadão cortando, queimando e triturando alastrado para alimentar seus animais, o foco da questão. O alastrado, assim como o mandacaru, o facheiro, rasga-beiço e Quipapá, são vegetais espinhentos. O alastrado é o mais encorpado de todos e também chama atenção pela sua beleza e verde bonito. Sem alternativa nas secas puxadas o sertanejo apela para as cactáceas com o procedimento acima. Até pessoas são alimentadas com o miolo desses matos em situação de fome extrema.
Na minha terra existe um lugar denominado “Cipó”. Fica na periferia da cidade, saída para Olho d’Água das Flores. Sua estrada de terra paralela ao asfalto, leva até às terras do governo, fazenda “Sementeira”.
Conta o saudoso escritor santanense Oscar Silva, em seu primeiro livro de crônica “Fruta de Palma”, o episódio fatídico acontecido na seca de, provavelmente, 1932.
Alguém tinha ido até à delegacia para se queixar de roubos de bodes. O perverso soldado Zé Contente e certo companheiro foram designados para investigar. Percorrendo a região do Cipó, inclusive o serrote do Gonçalinho, nas imediações, deparou-se com a família de um morador do Cipó. Aquela filharada pequena, toda de barriguinha cheia nessa época de agruras, fez engendrar na cabeça doentia do soldado que as crianças estavam sendo alimentadas com os bodes roubados.
O malévolo recebera o apelido justamente por praticar suas perversidades sempre com os risos durante os seus atos. Assim procurou e encontrou o chefe da família no serrote do Gonçalinho acusando-o de roubo. O homem se defendeu afirmando que alimentava a família com miolo de alastrado e que não era ladrão. Zé Contente, para satisfazer seus instintos inexplicáveis amarrou o cidadão e saiu furando os seus intestinos a punhal. Nada saiu das tripas da vítima torturada até à morte, apenas a confirmação sobre o vegetal de espinhos.
Oscar não diz se o soldado Zé Contente foi punido ou não. Mas, no lugar onde foi morto o sertanejo honesto uma cruz foi fincada tendo resistido até quase os dias atuais. Hoje uma pequena fileira de casas pobres ocupa o lugar da cruz rumo à fazenda Sementeira.
O autor achou por bem colocar o título da crônica de BUCHO DE ALASTRADO.


Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2017/05/bucho-de-alastrado.html

quarta-feira, 3 de maio de 2017

VEM CHEGANDO A FRIEZA



VEM CHEGANDO A FRIEZA
Clerisvaldo B. Chagas, 03 de maio de 2017
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.668

Para a Região Norte, friagem; para nós, frieza. A frieza é uma consequência das massas de ar que entram no Brasil vindas do sul do continente. Penetram no País através do Rio Grande do Sul e vão subindo dividindo-se em duas frentes. Uma vai para a Amazônia seguindo pelo oeste, a outra chega a Sergipe, Alagoas, Pernambuco percorrendo o leste e trazendo umidade. Com essas frentes e mais as chuvas locais tangidas do Atlântico, Alagoas vai se beneficiando. As chuvas trazidas do Atlântico vão se derramando sobre a capital, Zona da Mata e agreste até chegar ao sertão com o que sobra do percurso.
O mês de maio iniciou bem quando choveu uma noite inteira e a metade do outro dia, deixando o sertanejo eufórico na perspectiva de bom inverno. Afinal, a longa estiagem dos seis anos que parece cansada, pode ser morta a pauladas com novas esperanças nos pluviômetros. Mandacaru florou, as formigas deixaram as parte baixas, o joão-de-barro fez o ninho com entrada para o poente, o Ipanema apresentou água... Como então o inverno não chegaria?
No Sertão começa a escorregar da Natura uma friezinha tipicamente conhecida, aquela que incentiva às buscas pelos casacos mais leves que hibernam. Mas também, montada na mudança de tempo, chegam as doenças respiratória leves e pesadas que preenchem os posto de saúde.
Como ainda estamos no início da estação chuvosa, quando o tempo nublado se afasta entra um céu sem nuvem bem azul e um Sol rachador que bota para correr. Na volta da chuva e da frieza, porém, ainda se houve o grito: “Corre Maria, pega o meu casaco!”.
A caatinga volta a ficar verde, o fazendeiro tira a rede do alpendre, os pássaros grasnam com alegria doida e nós vamos pedindo café com leite e queijo agradecendo a Deus no pensamento.
Quando chega noite alta fica bem gostoso captar a dança da chuva no telhado identificando um ou outro ruído dos bichos noturnos.


Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2017/05/vem-chegando-frieza.html