segunda-feira, 13 de julho de 2020

ESTRANHO PERCURSO


 ESTRANHO PERCURSO
Clerisvaldo B. Chagas, 14 de julho de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.344
Alto do Negros no primeiro plano. (Foto: Livros 230 e Negros em Santana
/B. Chagas).

Interessante são as denominações populares de locais públicos que existem em todas as cidades. Elas se perpetuam chegando ao ponto em que ninguém mais sabe suas origens. Aí é quando entram as informações dos mais velhos ou dos historiadores. Algumas delas são mudadas para nomes de “barões” devido a que os grandes denominam “incômodo”. Em uma cidade da Mata existe a “Rua da Bosta”, em Arapiraca, o “Sovaco da Ovelha”, o “Escorrego do Catita” e assim por diante. A nossa cidade não poderia ficar de fora e apresenta pelo menos quatro apelidos estranhos desde a primeira metade do Século XX. São eles, pela ordem de marcha, três no Bairro Domingos Acácio e o outro no antigo Bairro Floresta: Rabo da Gata, Cachimbo Eterno, Galo Assanhado e Alto dos Negros.
Rabo da Gata, rabeira, o que está por último na fila. Ficava na saída Santana – Olho d’Água da Flores. Uma fileira de casebres na boca da estrada que leva ao riacho João Gomes, margeando o sopé do serrote do Cruzeiro, ala à direita.
Cachimbo Eterno, vizinho ao Rabo da Gata, mais frontal as serrote. Teve origem com os constantes convites dos moradores ao pessoal do Comércio para tomar cachimbo, bebida com cachaça e mel de abelha oferecida quando nasce uma criança. Os convites visavam padrinhos para ajudar na criação. “Ali é um cachimbo eterno”, dissera alguém, batizando o lugar.
Galo Assanhado, também no sopé do serrote do Cruzeiro à esquerda do monte Apelido dado pelos moradores do Cachimbo, cujo desentendimento também os levaram ao apelido de Rabo da Gata.
Alto dos Negros, alguns metros abaixo do Hospital Regional Clodolfo Rodrigues de Melo, pela Rua Principal. Assim chamado por ser um terreno alto de barro vermelho, onde morava uma família de pretos, provavelmente originária do povoado Tapera do Jorge, município de Poço das Trincheiraste, descendentes quilombolas. Zacarias, o habitante mais conhecido, trabalhava no comércio como transportador de malas dos caixeiros-viajantes, dos hotéis para as casas comerciais e vice-versa.
Em Arapiraca, Escorrego do Catita veio de um moleque ligeiro igual a rato catita que escorregava pelo terreno acidentado ao ser acionado pelos seus perseguidores.
Brasil velho, morrendo e aprendendo.







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domingo, 12 de julho de 2020

VIAGEM A MACEIÓ


VIAGEM A MACEIÓ
Clerisvaldo B, Chagas, 13 de julho de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.343
(HOMENAGEM AO ESCRITOR FLORO DE ARAÚJO MELO)

Máquina do trem de Palmeira dos Índios no Museu Xucurus. (Foto: Livro:
"Repensando a Geografia de Alagoas/B. Chagas)
Caro leitor, calcule quando foi o acontecimento da narrativa abaixo, do conterrâneo Floro (In memoriam) na íntegra.
A viagem foi extremamente cansativa. Fomos de caminhão até Palmeira dos Índios, ponto terminal da estrada de ferro. Não havia asfalto, a poeira era sufocante, levamos quase um dia inteiro ao sabor de buracos e depressões medonhas do terreno. Ao atingir o destino, ninguém tinha forças para embarcar. Tivemos que pernoitar no hotel, ou melhor, numa estalagem sem conforto e sem muita higiene.
O trem partia de madrugada. Saímos do “hotel” sonolentos e com muito cuidado, devido aos buracos das ruas e à má iluminação da cidade. Eu, entretanto, exultava: garoto do sertão, tudo para mim era novidade e descoberta. Imagine o leitor que jamais ouvira um apito de trem! Com grande estardalhaço, a máquina partiu, levamos horas intermináveis sentados naqueles duros bancos de madeira, ouvindo os ruídos ritmados das rodas em contacto com os trilhos desgastados pelo tempo de uso. Para quebrar a monotonia, eu olhava pela janela e divisava a paisagem que ia ficando para trás, as serras, as casas das cidades por onde o trem passava, as paradas ao longo da estrada e, nessas, uma imagem triste que me ficou para sempre na memória: crianças sujas e maltrapilhas que pediam moedas ou vendiam banana, manga, jaca, etc.,  tudo num vozerio que mais parecia uma dolorosa e sofrida ladainha. Ah, meu Nordeste querido, quando tais cenas deixarão de acontecer em seu seio?!   Minha avó, já conhecedora da melancólica procissão, nem sequer abria a janela, sempre a segurar-me pelo braço. Felizmente, a demora era pequena, o trem apitava estridente altivo e se punha em marcha.
(...Finalmente Maceió...)

MELO, Floro de Araújo. Vim Para Ficar. Borsoi, Rio de janeiro, 1981. Págs 29-30.
Nota: a “minha avó” a que o autor se refere, foi a primeira professora de Santana do Ipanema, Maria Joaquina.






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