VIAGEM A MACEIÓ
Clerisvaldo B, Chagas, 13 de julho de 2020
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica:
2.343
(HOMENAGEM
AO ESCRITOR FLORO DE ARAÚJO MELO)
Máquina do trem de Palmeira dos Índios no Museu Xucurus. (Foto: Livro: "Repensando a Geografia de Alagoas/B. Chagas) |
Caro leitor, calcule quando foi o acontecimento
da narrativa abaixo, do conterrâneo Floro (In memoriam) na íntegra.
A viagem foi extremamente cansativa. Fomos de
caminhão até Palmeira dos Índios, ponto terminal da estrada de ferro. Não havia
asfalto, a poeira era sufocante, levamos quase um dia inteiro ao sabor de
buracos e depressões medonhas do terreno. Ao atingir o destino, ninguém tinha
forças para embarcar. Tivemos que pernoitar no hotel, ou melhor, numa estalagem
sem conforto e sem muita higiene.
O trem partia de madrugada. Saímos do “hotel”
sonolentos e com muito cuidado, devido aos buracos das ruas e à má iluminação
da cidade. Eu, entretanto, exultava: garoto do sertão, tudo para mim era
novidade e descoberta. Imagine o leitor que jamais ouvira um apito de trem! Com
grande estardalhaço, a máquina partiu, levamos horas intermináveis sentados naqueles
duros bancos de madeira, ouvindo os ruídos ritmados das rodas em contacto com
os trilhos desgastados pelo tempo de uso. Para quebrar a monotonia, eu olhava
pela janela e divisava a paisagem que ia ficando para trás, as serras, as casas
das cidades por onde o trem passava, as paradas ao longo da estrada e, nessas,
uma imagem triste que me ficou para sempre na memória: crianças sujas e
maltrapilhas que pediam moedas ou vendiam banana, manga, jaca, etc., tudo num vozerio que mais parecia uma
dolorosa e sofrida ladainha. Ah, meu Nordeste querido, quando tais cenas
deixarão de acontecer em seu seio?!
Minha avó, já conhecedora da melancólica procissão, nem sequer abria a
janela, sempre a segurar-me pelo braço. Felizmente, a demora era pequena, o
trem apitava estridente altivo e se punha em marcha.
(...Finalmente Maceió...)
MELO,
Floro de Araújo. Vim Para Ficar. Borsoi, Rio de janeiro, 1981. Págs
29-30.
Nota: a “minha avó” a que o autor se refere, foi a
primeira professora de Santana do Ipanema, Maria Joaquina.
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