domingo, 18 de abril de 2021

 

O RELÓGIO DA MATRIZ E AGRIPINO

Clerisvaldo B. Chagas, 19 de abril de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.514

 



A imponente Matriz de Senhora Santana, em Santana do Ipanema, possuía na sua torre, um grande relógio que ocupava as quatro faces do edifício, acima do campanário. É conhecido desde o final dos anos 40. Com suas poderosas badaladas acontecidas de meia em meia hora, o soar do sino era ouvido à distância incrível. O comércio da cidade obedecia ao relógio da Matriz. Abria com a badalada das sete e trinta e fechava exatamente as onze e meia. Com o passar do tempo o relógio foi precisando de reparos aqui, acolá, até que chegou ao ponto de parar completamente. Práticos da terra sempre tentaram dar sobrevida ao marcador, mas os paliativos não deram certo.

Bem que tentamos pesquisar a origens dos sinos da Matriz indo à casa do padre Jaciel, mas nada encontramos em registros do passado: de onde vieram os sinos, o preço, os diferentes sons... Assim também não encontramos sobre o relógio. Fazer o quê? O relógio não manda mais no Comércio, porém continua lá como ornamento indispensável à torre e a história. Isso lembra os homens corajosos que subiam até o campanário, continuavam para o compartimento do relógio e alcançavam a passarela dos minaretes, subindo desafiadoramente a escadinha da cruz para consertos de lâmpadas ou implantação de outras. Vistos do solo, dava até mal estar diante daquela coragem nas alturas.

No chamado Casarão de esquina, vizinho à igreja e que formava esquina com a Rua Coronel Lucena, havia uma loja com várias portas de madeira pertencente ao senhor – comerciante e fazendeiro – José Quirino. Ali trabalhava o senhor Agripino Pontes, descendente Fulni-ô de Água Belas, bem adaptado em Santana e querido na sociedade santanense. Entre o trabalho e a brincadeira, Agripino começava a abrir a primeira porta da loja na badalada única das sete e meia. Depois saía abrindo as outras até a última quando dizia: “Dar doze horas e não dá onze e meia”.

Ilustração do relógio rigoroso.

RELÓGIO DA MATRIZ (FOTO: B. CHAGAS).

 

 


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quinta-feira, 15 de abril de 2021

 

CHEGANDO O PAI VELHO

Clerisvaldo B. Chagas, 16 de abril de 2021

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.51

 



     Para a sensibilidade poética de qualquer santanense, a chegada das águas mansas, arrastadas, do rio Ipanema, é um verdadeiro poema de amor no ventre do semiárido. Elas vão surgindo fazendo meandros na areia grossa, devagar igual a uma grande jiboia preguiçosa. Chegando e fervendo à areia, preenchendo as baixadas, cobrindo as cacimbas, espantando teiús... Vez em quando a jiboia d’água cerca um caçador desatento, uma lavadeira cantora, um pescador distraído. Mas, ao contrário das cheias bruscas e violentas, o chegar tangido das águas traz esperanças aos ribeirinhos que sonham com peixes maiores e a pesca rudimentar. As florezinhas enroladas do marmeleiro fazem uma saudação perfumosa em suas saudosas margens. As águas confirmam os mandacarus floridos no alto das colinas prenunciando o bom inverno sertanejo.

Rio Ipanema, primeira grande estrada de penetração para os desbravadores do estado do Norte que subiam pela sua foz no lugar Barra do Ipanema, até suas cabeceiras na serra do Ororubá, em Pernambuco. Rio percorrido também em Alagoas pelos índios Carnijós ou Fulni-ôs com sede em Água Belas. Rio em que foi descoberto ouro na sua parte inferior, no antigo tempo das penetrações. Rio que deu lugar aos canoeiros do Ipanema em época de pontes inexistentes.

O rio penetra em Alagoas pelo município de Poço das Trincheiras, banha aquela cidade de fronteira, desce para Santana após banhar o povoado Tapera do Jorge. Arrebanha vários afluentes importantes naquele município e chega à Santana pelo Norte e outrora periferia, hoje urbanizada do Bairro Barragem.

Quando o Ipanema está seco é um jardim. Variados tipos de vegetais nascem na areia grossa e salgada, nas frestas das pedras quebradas com gramíneas, arvores, arbustos e arvoretas. Mas nem sempre esse jardim é respeitado pela população que ali deposita seus lixos doméstico e comerciais, despeja direto de fossas e todos objetos descartados em casa. Mas isso é antigo na história do rio. Quando a chamada Cadeia Velha funcionava na Rua Nilo Peçanha, os presos eram obrigados a jogarem as fezes recolhidas em cubas, no rio Ipanema. Conta-se que o soldado Fonfon era bom atirador e ficava vigiando dos fundos da Cadeia os presos que desciam para o rio. Um deles tentou fugir, porém, Fonfon atirou de fuzil de uma distância enorme e o fugitivo foi baleado nas areias do rio.

Rio meu, rio seu, rio nosso.

ÁGUA CHEGANDO MANSA EM TRECHO DO RIO IPANEMA. (FOTO: ACERVO B. CHAGAS).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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