segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

 

NO AMPARO DA SOMBRINHA

Clerisvaldo B. Chagas, 24 de janeiro de 2023

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.831

 



No tempo de poucos automóveis, o batente diário era mesmo enfrentado a pé. E na época de inverno, muito valioso era o guarda-chuva ou sombrinha, mesmo que os pés rompessem a lama das ruas, a cabeça estava protegida. Esses objetos eram muito valiosos no predomínio das chuvas. Comprados nas lojas, estavam sempre na moda com modelos estruturais e com estampas. Durante o sol muito quente do verão, as mulheres usavam bastante as sombrinhas.  Mas também é de se dizer que a estrutura de ambos, eram frágeis como ainda são as de hoje. Qualquer coisinha quebrava uma aspa. Se o dono ou a dona tivesse habilidade consertava, se não, mandava o objeto para o profissional Alvino, conhecido depois com o apelido de “Sombrinha”.

Alvino morava num pedaço de rua entre a Prof. Enéas e a São Paulo (início da antiga rodagem para Olho d’Água das Flores). Para ele, levei muitas sombrinhas e guarda-chuvas, para conserto. Nosso herói tinha rosto agradável de quem está de bem com avida, caminhava ligeiro, braços abertos e, sendo magro, inclinado um pouco para trás, parecia carregar um bucho invisível projetado adiante. Era simpático no seu atendimento e não demorava a devolver o objeto consertado. Não lembramos de outro profissional consertador de sombrinha, em Santana do Ipanema, somente quando passava alguém de fora, anunciando consertos. O consertador de sombrinhas foi mais um dos profissionais extintos do século XX.

Por que estamos lembrando essa passagem tão singela e tão sem importância para os dias atuais? É que chegou uma pessoa da família em baixo de chuva e precisou de uma sombrinha para descer do carro. Infelizmente o objeto estava com uma aspa quebrada. No momento o passado veio forte porque na vida uma coisa puxa outra.  Assim como pingadeira nas telhas (ainda existe teto de telhas) também lembra o profissional “Seu Tô”, o maior retelhador do século XX com seu chapéu de Polícia Montada do Canadá e que morava bem perto de Alvino. Hoje retelhador é o próprio pedreiro.

Mas voltando ao caso da sombrinha, ninguém de casa tinha habilidade para consertar a aspa, cuja sombrinha parecia um galináceo da asa quebrada, já viu?

Que falta nesses momentos faz o Alvino!

 


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domingo, 22 de janeiro de 2023

 

COURO DE JUMENTA

Clerisvaldo B. Chagas, 23 de janeiro de 2023

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.830

 



Em torno dos anos 60, um coronel do sertão, em Poço das Trincheiras, resolveu convidar os amigos e oferecer farra e almoço na sua fazenda. Houve muitos comentários na época em toda a região. Todos beberam animadamente, até que saiu o tão aguardado almoço. No final da refeição, o coronel pediu atenção para um pronunciamento e perguntou aos convidados se sabiam o que tinham comido. Diante de tantas respostas inocentes, o coronel ria e falava: “vocês comeram carne de jumenta”. E para provar o que disse, mostrou o sexo da jega quando houve um burburinho grande na roda de amigos. Uns se conformavam dizendo que “foi bom”. Outros metiam os dedos na goela para provocar vômitos. Foi um deus-nos-acuda! Esse caso teve muita repercussão principalmente nos ciclos boêmios da região sertaneja.

Pois bem, com aproximadamente 60 anos depois desse fato, estávamos entrevistando o senhor Daniel Manoel, de 81 anos e que trabalhou em todos os curtumes de Santana, sobre os detalhes daquela atividade em nossa terra.  Quando ele nos dizia que os curtumes curtiam couro de todos animais domésticos e selvagens, falou o seguinte: “Uma vez curtimos o couro até de uma jumenta, enviado pelo coronel fulano de Poço das Trincheiras”. Que coincidência medonha! A prova fatídica após tanto tempo, do caso do Poço. Como se descobre as coisas sem perguntar!  Entretanto, não é que esqueci de acrescentar essa passagem no livro terminado “Santana, o Reino do Couro e da Sola”. Eita “coroné”, danado!

A nossa ética na tradição brasileira, é não ao consumo de carne cavalar e semelhantes, mas os chamados coronéis sertanejos em muitos casos faziam as suas próprias leis, inclusive, retirar o couro das costas dos seus desafetos, em forma de tiras.  Voltando ao caso do couro do asno fêmea, não sabíamos antes da curtição desse couro. Foi curtido com qual finalidade? Talvez para ser exibido durante muito tempo como troféu, rir outras vezes daquela situação e afirmar o poder de mandachuva até nas brincadeiras farristas de péssimo mau gosto.

De qualquer maneira, agradecemos ao nosso entrevistado por essa lembrança inusitada de 60 anos atrás, na história dos curtumes.

ASNO PASTANDO NO LEITO DO IPANEMA SECO (FOTO: B. CHAGAS).

 


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