segunda-feira, 2 de setembro de 2024

 

CANCÃO-DE-FOGO

Clerisvaldo B. Chagas, 3 de setembro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.099



 

No sertão alagoano é Cancão, em outras regiões também é chamado: Cancão-de-fogo, gralha-cancã, Quem-quem, cancão de nuca branca. O cancão é uma ave (Cianocorax cianopogor) típica do sertão nordestino, mas que o desmatamento o obrigou a emigrar para o Espírito Santo, São Paulo e Rio de Janeiro. É muito barulhento na caatinga e talvez o seu nome tenha vindo do som aparente do seu canto. O cancão é muito inteligente e habilidoso no voo acrobático. Qualquer coisa diferente que avista na caatinga, sai avisando a todos os moradores, animais e humanos. O caçador experiente costuma estar atento às manobras do cancão.  O próprio cangaceiro Virgolino Ferreira, escolado sertanejo das caatingas, sabia de todos os avisos do bicho em questão e de todos os outros, do seu habitat. Isso o ajudou muito nas suas lutas contra as forças volantes em todos os estados onde atuava.

O cancão come insetos, fruta de mandacaru e praticamente tudo, até ração de galinha, se encontrar. Faz o seu ninho nas árvores mais altas da caatinga, forra o piso com folhas secas e choca três ovos para enfeitar a mata com seus cancãozinhos. Na sociedade sertaneja, é costume apelidar poetas repentistas emboladores ou violeiros com apelidos de pássaros cantadores. E cancão já foi apelido de muitos desses vates. Uma das grandes feras da poesia escrita, com alguns livros publicados com suas poesias sertanejas divinais, chamava-se Cancão.  O título Cancão-de-Fogo também está em folheto de cordel, de grande sucesso no passado e ainda no presente.

Todos os animais da caatinga merecem estudos profundos, porém, alguns são especiais e estão enraizados na sabedoria popular trazida da roça, dos campos das matas que muitas vezes serve de provérbio. Entre os especiais estão a seriema, a cauã, o cancão, a rolinha, o bem-te-vi.  E por falar em rolinha, talvez o pássaro mais querido do sertão, surgiu hoje, primeiro de setembro, tempo úmido e nublado, um casal de rolinha caldo-de-feijão catando pedrinhas defronte a nossa casa. É resultado do desmatamento e a adaptação dos animais no ambiente urbano. Voltando ao assunto inicial, preste atenção na figura abaixo do cancão, sua pose e majestade.

CANCÃO (PINTEREST).


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domingo, 1 de setembro de 2024

 

O MOTOR DIABÉTICO

Clerisvaldo B. Chagas, 2 de setembro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.098

 



A antiga Escola Cenecista Ginásio Santana era dura nos seus propósitos do Ensino, mas o ambiente às vezes trazia fatos divertidos. Nós, santanenses, vivemos tempos difíceis em relação à luz elétrica da cidade. O Ginásio Santana que funcionava à noite, aqui, acolá tinha problemas com a falta de energia e várias vezes os alunos foram mandados para casa por falta de luz no meio das aulas ou porque a energia estava passando da hora de chegar. Isso fez com que a direção da escola adquirisse um motor próprio. Antes um pouco do início das aulas tinha alguém encarregado de “virar” o motor. Virar era o termo usado que significava “botar o motor para funcionar”.  Nunca fomos lá até a casinha do motor para verificar o ato. Mas temos a impressão que era o bedel quem manobrava o motor. Sim, bedel era o encarregado da limpeza da escola, uma espécie de zelador.

Os alunos da oitava série, quase sempre eram adultos. Entre eles havia o Jorge de Leusinger, cujo pai era o senhor Leusínger, proprietário do “Hotel Avenida”, perto do prédio dos Correios e do outro lado da avenida. Quando criança estudando no Grupo Escolar Padre Francisco Correia, já havia presenciado o adulto ou quase, Jorge se exibindo a correr sobre os pilares do muro baixo da escola. E corria pulando de pilar em pilar como se estivesse no plano. Aquilo representava uma falta de censo, pois um passo em falso resultaria morte imediata. Ficávamos com o Credo na boca. Pois bem, o Jorge era muito presepeiro.

Uma noite o motor do Ginásio não quis virar. Nada dava jeito. Mandaram os alunos para casa e descobriram que o motor fora sabotado. Mais tarde, correu o boato interno de que alguém colocara açúcar no motor para que não houvesse aula. Tomaram conta do Ginásio Santana: investigação doméstica, risos frouxos e gargalhadas. A culpa foi cair na cabeça do famigerado Jorge de Leusínger. Tudo indicava que sim, porém não havia provas. Quem sabia era cúmplice da malandragem e ficara de boca piu. E assim passamos alguns dias sem aula, aguardando a limpeza da máquina de luz. (Jorge não está mais no mundo dos vivos).

Quem ainda se lembra do fato, compara as doenças que havia no passado e no presente. E todos apontaram que o motor estava diabético.

GINÁSIO SANTANA EM 1963, EM TORNO DA DATA DO FATO ACIMA (FOTO: DOMÍNIO PÚBLICO/ACERVO DO AUTOR).


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