segunda-feira, 16 de setembro de 2024

 

CARNAVAL HISTÓRICO E INUSITADO

Clerisvaldo B. Chagas 17 de setembro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.109

 



O escritor santanense Oscar Silva cita nomes de alguns blocos carnavalescos das décadas 1920-30. Mas nos anos 60 os blocos já não eram os mesmos da época do saudoso escritor.  Alguns se tornaram tradicionais, outros tiveram pouca duração. Entre os gerais estavam os “Negras da Costa”, o “Bacalhau”, “os Cangaceiros”, as “Volantes”, os “piratas” e o mais longevo o “ Urso Preto”. Este é o que nos interessa. Alcançamos o bloco do “Urso Preto” no comando de Seu   Carola (ô), dono de farmácia – o galego seríssimo com pinta de alemão e eterna gravata borboleta. Era ele quem guiava o urso preto acorrentado em companhia de brincantes e conjunto musical com   sanfona, pandeiro e outros instrumentos simples. Depois de Carola, o comando do bloco e do urso passou a ser do cidadão Chico Paes.

Somos avessos às palavras de baixo calão, vulgares e chulas, porém, as duas narrativas abaixo tiradas dos carnavais de Santana no obriga. O malandro Zé Nogueira fazia o papel do urso de seu Carola. Fantasia pesada e quente, o urso, seu domador e amigos entravam de casa em casa, comendo, bebendo e dançando. Zé Nogueira teve um desarranjo intestinal violento. Disse para seu domador: “Seu Carola, urso quer cagar! E o seu domador: “Vai para lá, urso... Urso na caga. E depois de várias tentativas de se libertar da corrente e da fantasia, não teve jeito. A catinga medonha tomou conta do bloco. O urso preto se desmanchava em merda. E se a mente não engana, esse foi o último Carnaval de Seu Carola.

Já mais adiante, o mecânico Josinho, sobrinho do Chico Paes, estava dentro da fantasia do uso preto. Ao passar pelo famoso Largo do Maracanã, seus acompanhantes ainda cantavam:

 

 E como foi

E como é,

O urso preto

Vem da arca de Noé...

 

Um espectador abusado que estava bebendo num bar, gritou a pleno pulmões: “Vamos comer o c. do urso!!!

Nesse grito de guerra, o urso preto, Josinho, rasgou a fantasia, puxou uma lapa de faca de umas dez polegadas, riscou a lâmina no chão de pedra, fazendo voar faísca para todos os lados e gritou de volta:

“Pois venha comer o c. do urso, rebanho de peste!”.

Foi um corre-corre geral e o tarado perdeu o tesão na hora.

URSO PRETO SIMILAR AO SANTANENSE.

 


Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2024/09/carnaval-historico-e-inusitado.html

domingo, 15 de setembro de 2024

 

O CHARQUE E O TEMPO

Clerisvaldo B. Chagas, 16 de setembro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.108

 



Você gosta de uma boa feijoada nordestina? Sem charque não presta. O que é charque?  É a carne de boi, curtida no sal abundante durante vários dias. Dizem que o método de transformar carne fresca em charque foi ensinado pelos indígenas quíchuas da América do Sul. Já em 1780 o Rio Grande do Sul fazia seu primeiro lote de charque. Isso permitia uma exportação sem arruinar o produto que seria perecível. Até a metade do segundo quarto do Século XX, o charque – chamado em outros lugares de carne seca e jabá – era comida de pobre e trabalhador de roça do alugado. Inclusive, em um dos nossos romances do ciclo do cangaço, FAZENDA LAJEADO, retirantes da seca trabalhando na Fazenda Lajeado, alimentavam-se de feijão com charque. Retrato histórico da época.

Em Santana do Ipanema, comprávamos charque de primeira qualidade e bacalhau – que também era comida de pobre – no armazém de Seu Marinho, o maior da cidade. O charque dos tempos dos trabalhadores braçais da zona rural, continua resistindo ao tempo, sofisticou-se no preço e passou a ser alcançado somente pelo rico. O balcão do armazém de Seu Marinho que ficava no “prédio do meio da rua”, defronte à Casa Ideal, sapataria de luxo de Seu Marinheiro Amaral, era lotado de charque e bacalhau. O freguês, hoje cliente, mesmo indo comprar outra coisa, beliscava no charque ou o no bacalhau arrancando filepas e degustando. Valia à pena. E o sistema de se fazer feijoada era com feijão normal, com muitos ingredientes, porém, a cereja do bolo era o charque.

Esse negócio de feijão preto, não era coisa da nossa região. Havia pessoas especializadas contratadas unicamente para elaborar uma feijoada para muita gente. Não se colocava tanta coisa para não tornar a comida mais pesadona do que um porco. Tudo na medida certa, como os profissionais faziam, homens ou mulheres. E quando havia festa com feijoada, quase sempre esse tipo de almoço era servido em pratos de barro, comprados na feira livre às paneleiras do povoado Alto do Tamanduá – Poço das Trincheiras – ou do sítio vizinho e santanense, Baixa do Tamanduá. Conhecemos o comerciante Pedro, como o último de Santana a vender charque de primeira qualidade. Nem sabemos se ainda existe isso em Santana para se comprar.

Viva a feijoada, patrimônio sertanejo nordestino!

Mas... Com bastante charque.

 

 

 


Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2024/09/o-charque-e-o-tempo-clerisvaldo-b.html