O
CHARQUE E O TEMPO
Clerisvaldo B. Chagas, 16 de setembro de 2024
Escritor
Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 3.108
Você gosta de uma boa feijoada nordestina? Sem
charque não presta. O que é charque? É a
carne de boi, curtida no sal abundante durante vários dias. Dizem que o método
de transformar carne fresca em charque foi ensinado pelos indígenas quíchuas da
América do Sul. Já em 1780 o Rio Grande do Sul fazia seu primeiro lote de
charque. Isso permitia uma exportação sem arruinar o produto que seria
perecível. Até a metade do segundo quarto do Século XX, o charque – chamado em
outros lugares de carne seca e jabá – era comida de pobre e trabalhador de roça
do alugado. Inclusive, em um dos nossos romances do ciclo do cangaço, FAZENDA
LAJEADO, retirantes da seca trabalhando na Fazenda Lajeado, alimentavam-se de
feijão com charque. Retrato histórico da época.
Em Santana do Ipanema, comprávamos charque de
primeira qualidade e bacalhau – que também era comida de pobre – no armazém de
Seu Marinho, o maior da cidade. O charque dos tempos dos trabalhadores braçais
da zona rural, continua resistindo ao tempo, sofisticou-se no preço e passou a
ser alcançado somente pelo rico. O balcão do armazém de Seu Marinho que ficava
no “prédio do meio da rua”, defronte à Casa Ideal, sapataria de luxo de Seu
Marinheiro Amaral, era lotado de charque e bacalhau. O freguês, hoje cliente,
mesmo indo comprar outra coisa, beliscava no charque ou o no bacalhau
arrancando filepas e degustando. Valia à pena. E o sistema de se fazer feijoada
era com feijão normal, com muitos ingredientes, porém, a cereja do bolo era o
charque.
Esse negócio de feijão preto, não era coisa da
nossa região. Havia pessoas especializadas contratadas unicamente para elaborar
uma feijoada para muita gente. Não se colocava tanta coisa para não tornar a
comida mais pesadona do que um porco. Tudo na medida certa, como os
profissionais faziam, homens ou mulheres. E quando havia festa com feijoada,
quase sempre esse tipo de almoço era servido em pratos de barro, comprados na
feira livre às paneleiras do povoado Alto do Tamanduá – Poço das Trincheiras –
ou do sítio vizinho e santanense, Baixa do Tamanduá. Conhecemos o comerciante
Pedro, como o último de Santana a vender charque de primeira qualidade. Nem
sabemos se ainda existe isso em Santana para se comprar.
Viva a feijoada, patrimônio sertanejo
nordestino!
Mas... Com bastante charque.
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