domingo, 15 de setembro de 2024

 

O CHARQUE E O TEMPO

Clerisvaldo B. Chagas, 16 de setembro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.108

 



Você gosta de uma boa feijoada nordestina? Sem charque não presta. O que é charque?  É a carne de boi, curtida no sal abundante durante vários dias. Dizem que o método de transformar carne fresca em charque foi ensinado pelos indígenas quíchuas da América do Sul. Já em 1780 o Rio Grande do Sul fazia seu primeiro lote de charque. Isso permitia uma exportação sem arruinar o produto que seria perecível. Até a metade do segundo quarto do Século XX, o charque – chamado em outros lugares de carne seca e jabá – era comida de pobre e trabalhador de roça do alugado. Inclusive, em um dos nossos romances do ciclo do cangaço, FAZENDA LAJEADO, retirantes da seca trabalhando na Fazenda Lajeado, alimentavam-se de feijão com charque. Retrato histórico da época.

Em Santana do Ipanema, comprávamos charque de primeira qualidade e bacalhau – que também era comida de pobre – no armazém de Seu Marinho, o maior da cidade. O charque dos tempos dos trabalhadores braçais da zona rural, continua resistindo ao tempo, sofisticou-se no preço e passou a ser alcançado somente pelo rico. O balcão do armazém de Seu Marinho que ficava no “prédio do meio da rua”, defronte à Casa Ideal, sapataria de luxo de Seu Marinheiro Amaral, era lotado de charque e bacalhau. O freguês, hoje cliente, mesmo indo comprar outra coisa, beliscava no charque ou o no bacalhau arrancando filepas e degustando. Valia à pena. E o sistema de se fazer feijoada era com feijão normal, com muitos ingredientes, porém, a cereja do bolo era o charque.

Esse negócio de feijão preto, não era coisa da nossa região. Havia pessoas especializadas contratadas unicamente para elaborar uma feijoada para muita gente. Não se colocava tanta coisa para não tornar a comida mais pesadona do que um porco. Tudo na medida certa, como os profissionais faziam, homens ou mulheres. E quando havia festa com feijoada, quase sempre esse tipo de almoço era servido em pratos de barro, comprados na feira livre às paneleiras do povoado Alto do Tamanduá – Poço das Trincheiras – ou do sítio vizinho e santanense, Baixa do Tamanduá. Conhecemos o comerciante Pedro, como o último de Santana a vender charque de primeira qualidade. Nem sabemos se ainda existe isso em Santana para se comprar.

Viva a feijoada, patrimônio sertanejo nordestino!

Mas... Com bastante charque.

 

 

 


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