quinta-feira, 10 de julho de 2008

TADEU ROCHA-INFORMAÇÕES


TADEU ROCHA-INFORMAÇÕES
(Clerisvaldo B. Chagas-10.7.2008)

Na Rua do Comércio em Santana do Ipanema, bem perto do Beco São Sebastião, ainda existe um imponente sobrado dos tempos de vila. Dali participavam e influíam intensamente na vida social da época, o Coronel Manoel Rodrigues da Rocha e sua esposa Maria Isabel Gonçalves Rocha, conhecida mais por Dona Sinhá Rodrigues. Manoel Rodrigues foi um dos homens de maior prestígio em Santana do Ipanema no período 1900-20. (Ver após lançamento “O boi a bota e a batina, história completa de Santana do Ipanema” da nossa autoria). Comerciante, industrial, tinha como mulher uma senhora culta que havia estudado e lecionado na melhor escola de Sergipe. “Mané Rodrigues” tornou-se amigo e parceiro de Delmiro da Cruz Gouveia, um dos maiores empresários da América Latina no início do século XX.
A primeira estrada de rodagem do Sertão nordestino foi construída por Delmiro, passando por Santana, indo até Quebrangulo em Alagoas e Garanhuns em Pernambuco. Foi o pioneiro da luz e da água de Paulo Afonso; o primeiro a construir um centro de compra na América Latina, por nome de Derby, no Recife, onde havia até corridas de cavalos. Introduziu a palma forrageira nos sertões, trazida da Califórnia; programou a primeira sociedade fabril nos moldes modernos produzindo linha marca “Estrela”, em pleno deserto de Alagoas. Foi o primeiro homem a possuir automóvel no estado e enricou duas vezes vendendo e exportando couros de bode e ovelhas para o exterior. Um homem para o século XXI, só comparado ao Visconde de Mauá. Delmiro foi assassinado em 1917. O Coronel Manoel Rodrigues da Rocha faleceu em 1920.
Foi daquele famigerado casarão que saíram dois dos primeiros escritores santanenses. Tadeu Rocha, o primeiro, era um dos filhos do Coronel Manoel Rodrigues. Foi embora para o Recife onde se tornou professor universitário, pesquisador e escritor emérito. O outro foi Breno Accióly (já bastante divulgado), que saiu de Santana ainda garoto com a família em destino a Maceió, sendo filho de uma das filhas do Coronel e do primeiro juiz de Santana.
São escassas ou inexistentes as pesquisas sobre Tadeu Rocha. O professor Tadeu foi um dos primeiros escritores da terra, tendo publicado “Geografia Moderna de Pernambuco”, São Paulo, l954; “Caderno de Geografia do Brasil”, 1956, 2 edição, Recife, e “Roteiros do Recife triênio 1956/1959”, entre outros. Tadeu foi exímio e sério pesquisador quando se esmerava nos detalhes pesquisados, sempre atento aos arredores e elegante no escrever.
Foi este filho do Coronel Manoel Rodrigues que escreveu sobre o extraordinário empresário brasileiro Delmiro da Cruz Gouveia. Apresentou o gênio empresarial ao Brasil e ao mundo no mais perfeito livro sobre o tema: “Delmiro Gouveia, o Pioneiro de Paulo Afonso”. Uma 2 edição aparece em 1963, em Maceió. Tadeu foi testemunha viva dos encontros de Delmiro na casa do seu pai. Pesquisou depois em vários estados nordestinos para finalmente entregar a magistral obra ao público brasileiro. Nada mais tivesse escrito, ainda assim Tadeu teria se consagrado plenamente com o livro em questão. Valho-me do ilustre e imortal escritor para abrir o meu futuro livro já descrito acima.
Não conheci Tadeu que, como o Breno, seu sobrinho, veio da elite santanense.  Já no final da sua vida Tadeu estava cego no Recife e não pode atender a um nosso apelo para fundarmos uma congregação em Santana. Tadeu formou com o sobrinho Breno e mais Oscar Silva, o trio de escritores mais antigos e caros de Santana do Ipanema. Dois da elite e um do povo, sentado o terceto na primeira fila dos que honraram a terra com suas letras. Nenhum fez sombra ao outro. Cada qual seguiu no estilo ímpar, próprio de cada um. Todos os três contemporâneos. Breno, homem dos contos; Tadeu, rapaz da pesquisa geográfica; Oscar, personagem das crônicas e romances.
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segunda-feira, 7 de julho de 2008

BALAS NA AGULHA


BALAS NA AGULHA
(Clerisvaldo B. Chagas-7.7.2008)

Corria o ano de 1970. Seca braba no sertão nordestino, gado morrendo, fome campeando, bandeira da miséria hasteada.
Em Santana do Ipanema, estava como representante municipal, o Prefeito Henaldo Bulhões Barros que a todo custo procurava amenizar os efeitos terrificantes do ciclo de estiagem. Várias estradas já haviam sido construídas na região, havia água da adutora de Belo Monte, proporcionando assim um maior deslocamento do povo e um complemento d’água melhor de que em secas do passado. Mas a seca regional era devoradora e atacava principalmente o homem do campo, destruindo lavouras e animais, minguando o estoque regulador de comida caseira. Quanto mais alto sertão, pior era o tempo.
Na faixa entre o povoado Candunda e a Ribeira do Capiá, houve vários movimentos contra a seca. Uma família, tremendamente apertada diante da fome, cujo pai de família chamava-se Antonio Rodrigues, vulgo “Tonhe Véi” (Tonho Véio, Antonio Velho), costurou uma idéia. Antonio era um homem bem conhecido, trabalhador alugado e respeitadamente honesto. Vendo os filhos em tempo de serem engolidos pela fome, trouxe o jumento do cercado, passou-lhe a cilha e empurrou dois caçuás possantes na cangalha acostumada. Colocou o chapéu de palha na cabeça, encheu uma pistola de balas, chamou a esposa Maria e partiram de casa.
Ora, ali nas imediações, havia um sujeito (não queremos citar nomes) que mantinha um armazém sortido para vender ou explorar os filhos da seca que quase morriam à míngua pelos arredores. Nada de fiado. Qualquer alteração estava ali o gerente e seus capangas garantindo o êxito crescente dos negócios.
Ao chegar perto do armazém, Antonio Rodrigues foi logo dizendo para a mulher, referindo-se a pouco ou muito barulho: “— Fique escutando, Maria, se cair chuva fina, você fique; se ouvi trovoada você corra”. E a esposa do sertanejo ficou do lado de fora tomando conta do jegue e atenta aos acontecimentos. Antonio entrou deu bom dia e mandou botar uma cachaça. O gerente alegrou-se pensando que iria fazer um negócio grande.
— Êpa, Tonhe Véi, o que é que manda, meu amigo?
E o sertanejo simplesmente disse, emborcando a pinga, que viera fazer compras. E assim começou a pedir a mercadoria: tantos quilos de charque, tantos quilos de feijão, de arroz, de farinha, pacotes de bolachas, sal, açúcar, café e assim em diante, até completar uma carga completa que enchia os dois caçuás. Encerrando as compras, tomou mais outra bicada, ficou em ponto estratégico e, diante da euforia do gerente, mandou que ele somasse tudo e botasse na conta. Qual não foi a reação do homem! Fiado? Nem falasse nisso. Ali não sairia um só centavo fiado, ordem do patrão. Antonio Rodrigues sacou a pistola, rodou-a em forma de leque e disse:
— Quero todo mercadoria dentro dos meus caçuás, agora! Nunca errei um tiro. São nove balas, nove defuntos, quer ver, não me obedeça.
— Mas Tonhe Véi, não pode... Você sabe...
— Bote outra cachaça.
— Mas Tonhe Véi, você já bebeu demais...
— Vai botar essa peste, não! — e a tábua de passagem do balcão foi jogada com grande vigor, fazendo um barulho enorme.
— Não, Tonhe, tá certo, vou botar mais cachaça.
Para resumir, os capangas ainda foram obrigados a levar a mercadoria para os caçuás e o sertanejo partiu com a mulher estrada afora sem ser molestado em um dedo sequer.
Ora, tempos depois Antonio Rodrigues voltou ao armazém, pagou a conta completa, recebeu inúmeros elogios do gerente e passou a ser o melhor freguês do armazém. Provou que era um homem honesto desesperado diante das circunstâncias. Escapou da seca, da fome, da perseguição e fez brilhar sua dignidade de homem decente.
Trinta anos depois desse acontecimento, tive o prazer e a felicidade de conhecer Tonhe Véi, e tê-lo como empregado de extrema confiança. Um homem simples, analfabeto e sábio nas lições da vida.
Antes Tonhe Véi usou uma pistola para ser honesto. Hoje, o colarinho branco empunha uma caneta para ser bandido.
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