quinta-feira, 23 de outubro de 2014

POVOADO PEDRÃO



POVOADO PEDRÃO
Clerisvaldo B. Chagas, 24 de outubro de 2014
Crônica Nº 1.289

Como às vezes ignoro os quilômetros, propositadamente, sei muito bem que o povoado Pedrão (é), fica a uma légua da cidade de Olho d’Água das Flores, no seu município.
Meses sem conta durante as férias, quando criança, vivi no Pedrão. Três meses no final do ano letivo mais o mês de julho. Ali morava minha tia Delídia casada com o senhor Manoel Anastácio. O marido da irmã do meu pai era o mandachuva do povoado. Ao terminar as aulas, eu seguia para lá ou a cavalo, na garupa, ou de carro de boi. Foi ali naquele povoado onde tudo observava e aprendia sobre costumes rurais, que armazenei a bagagem para os meus romances. As ladainhas, o Ofício a Nossa Senhora, as missas esporádicas, os cavaleiros que vinham da feira de Olho d’Água, os bêbados na bodega, as corridas de cavalos na lagoa seca, os forrós, as farinhadas, o movimento do algodão, a venda de cereais, mamona, gás óleo, o pinicar de palma, os cânticos das apanhadeiras de algodão, tudo ficava na memória. Lembro-me da única escolinha, a de Expedita e seu marido Barrinho. Os doces da minha tia, as visitas do padre de Olho d’Água ou do padre Cirilo com o sacristão Jaime, chegando a cavalo e, muito mais, muitíssimo mais. Quase todas as casas eram em preto. A pobreza geral não tinha cor.
O carreiro Ulisses cantava:

Ô sanfoneiro moça mandou lhe chamar
Para tocar um baião no Ceará...

Ou Jaime cantando ajoelhado no cemitério, o padre Cirilo e a multidão:

Abre os céus
Das almas tende compaixão...

Eu disse que um dia fazia e acabo de fazer. Qual o fotógrafo que tirou foto do povoado Pedrão na década de 50? Quem tinha interesse, nisso meu amigo! Pois bem, o povoado a quem eu devo 80% dos meus romances, acaba de ser mapeado pela minha memória, nos mínimos detalhes físicos. Está ali desenhado tudo. O casarão do mandachuva, a igreja, a lagoa, o vapor, a bodega, a casa de farinha, cercados, largo, rua, beco... Tudo companheiro, com riqueza de detalhes.  E para que vai servir? Não sei. Tenho o mapa de um pedaço da minha vida e minha alavanca literária. Agora, para Olho d’Água das Flores deve ser um documento impagável para sua História. Mesmo assim, prefeita, bote preço, kkkkkkkkkkkk, como faz a juventude.
Quem tiver interesse no documento, escreva para (clerisvaldobchagas@hotmail.com)





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BURROS DAS PESTANAS BRANCAS



BURROS DAS PESTANAS BRANCAS
Clerisvaldo B. Chagas, 23 de outubro de 2014
Crônica Nº 1.288

Nos bons tempos, Seu Manezinho Chagas comprava aquilo que achava interessante. Foi assim que adquiriu um animal estranho apontado por uns como jumento e, por outros, como burro. Para quem não sabe burro é burro, jumento é jumento. Explicando, jumento é filho do jumento com jumenta; burro é filho de jumento com égua ou de cavalo com jumenta. Burro é estéril e resistente às longas caminhadas.
Ainda no período em que o Sertão alagoano era abastecido de água através do jegue em quatro ancoretas, com água de cacimba dos rios secos, estava ali o quadrúpede negociado.
Animal branco, roliço, cauda longa, pestana branca, não havia ninguém que não parasse para vê-lo. “Hem hem ─ falava o passante ─ Como é bonitinho! É um jumento ou um burro? Não havia quem dirimisse a dúvida.
O danado representava um feixe de nervos. Até o vento fazia-o saltar de lado. Para carregar cangalha e ancoretas era capaz de quebrar os recipientes com os sustos vindos do nada. Um passarinho, uma folha seca, uma besteira, era o suficiente para o pulo de gato. Colocado na sela, repentinamente derrubava o cavaleiro ao simples balançar de um galho na estrada.
xxx
O mundo sertanejo é repleto de ditos, ditados, provérbios, máximas ou que se dê o nome que quiser. Um deles diz que “é melhor um cachorro amigo que um amigo cachorro”. Outro fala que “quem faz de cachorro gente, fica com o rabo na mão”. Um terceiro, semelhante, reza: “Quem dá rabo a nambu ficar suru”.
Não foi uma vez só que fiquei com o rabo na mão. Creio que o amigo leitor, também. Você tem um amigo, pensa que é seu amigo seguro e de repente: bummmm! Você ficou suru. A vida é pródiga em nos apresentar amigos cachorros. Amigo mesmo é o que nossos pais já falavam: pai e mãe. Por mais que você se prepare, companheiro, dificilmente não provará esse fel marcante em sua vida.
E para lhe derrubar de repente, o velho mundo redondo está quadrado de burros das pestanas brancas.




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