AS DUAS BESTAS (Clerisvaldo B. Chagas. 30.3.2010) Na região do Cariri, o padre Cícero Romão Batista, era tudo. Com intensificação à sua pro...

AS DUAS BESTAS

AS DUAS BESTAS
(Clerisvaldo B. Chagas. 30.3.2010)
Na região do Cariri, o padre Cícero Romão Batista, era tudo. Com intensificação à sua procura a partir do milagre da hóstia, o referido padre teve que ser especialista em todas as áreas sociais para atender a demanda dos romeiros. As multidões dos povos simples vinham de todas as regiões de Nordeste pedir orientações para os seus males. Cícero ouvia as intermináveis situações complexas, ingênuas, inusitadas. Para os famintos de conforto espiritual tinha sempre uma saída aconselhando e respondendo sobre rixas de famílias, negócios, curas homeopáticas, migração e tantas outras questões que afligiam a alma da gente sertaneja. Às vezes se aborrecia ao descobrir nas suas fontes, situações golpistas do consulente. Em uma dessas milhares de consultas, uma senhora contava ao padre, o desentendimento entre ela e sua vizinha. Terminou dizendo que havia sido chamada de besta. Cícero indagou pacientemente qual havia sido a sua resposta ao insulto. A senhora respondeu que havia dito que besta era ela. Foi aí que o homem do Juazeiro teria duramente sentenciado: “Então são duas bestas!”
Se fossem anotar as brigas de judeus e seus vizinhos desde os tempos de Josué até o presente momento, um livro grosso como a Bíblia ainda seria pouco. A história contemporânea da Palestina, para falar apenas da Guerra dos Seis Dias até agora, envolvem muitos interesses, não só palestinos e israelenses. Estão em jogo muitas outras coisas que os Estados Unidos e a Inglaterra conhecem sobejamente. Falando sobre a guerra acima (1967) Israel, vitorioso, anexou ao norte, as colinas de Golan, na Síria; a oeste, a Cisjordânia, da Jordânia; ao sudoeste, a península do Sinai com a faixa de Gaza em poder do Egito; e a cidade de Jerusalém. Devolvida a península ao Egito, permanece o restante em poder de Israel. Além da específica questão Israel-Palestina, o estado judeu enfrenta problemas com grande parte da sua vizinhança. Como viver em paz em uma região cercada de inimigos? Superior militarmente na região, Israel cisma em não devolver os territórios anexados durante a Guerra dos Seis Dias. Além disso, o estado judeu diz querer a paz, mas insiste em construir casas para colonos na parte anexada. Como posso querer paz com meu vizinho invadindo seu espaço?
Por mais simpática que seja a causa israelense através do tempo, fica muito difícil para qualquer outro país, engolir a sede expansionista argumentada. E o pior de tudo nesse foco de tensão, é o nome de Deus na boca dos nativos. O Deus único e verdadeiro pulverizou-se em vários deuses do Olimpo e outros menores que a própria região insistentemente continua fabricando. Se o lugar em que Jesus nasceu, viveu, pregou e morreu é assim, imaginemos outras paragens privadas dos passos nazarenos! Bem diz o povo: “Casa de ferreiro, espeto de pau”. Israel não consegue convencer a mais ninguém com sua paz feita de balas. Pode ter decorado até a Bíblia e o Torá, mas por certo precisaria ter visitado o padre Cícero para ouvir a imortal sentença das DUAS BESTAS.



PROCURA-SE BARBEIRO (Clerisvaldo B. Chagas. 29.3.2010) Fui surpreendido mais uma vez pela Internet, com a notícia do passamento do meu barb...

PROCURA-SE BARBEIRO

PROCURA-SE BARBEIRO
(Clerisvaldo B. Chagas. 29.3.2010)
Fui surpreendido mais uma vez pela Internet, com a notícia do passamento do meu barbeiro Manoel Ferreira, dois dias depois do acontecido. Barbeiros e alfaiates são duas classes em extinção por essas bandas. Lembro que o meu primeiro barbeiro, nos tempos das calças curtas, chamava-se Nézio. Já com certa idade, Nézio trabalhava no antigo “prédio do meio da rua”. Depois fui cliente muitos anos do senhor José Barbosa que atuava à Rua Nilo Peçanha, bem próximo à Travessa Antonio Tavares. Ali, defronte à alfaiataria de José de Souza Pinto, o “Juca Alfaiate, o senhor José Barbosa começou a contar meus primeiros pelos que surgiam no queixo. Como era bem humorado, o barbeiro contava com seu futuro adicional da minha barba. Tempos depois, o senhor José mudou de ramo, passando a ser dono de bar nas imediações do mercado municipal de carne.
A boa quantidade de conceituados barbeiros em Santana do Ipanema ia rareando. No auge da categoria, houve até uma velada concorrência entre eles, coincidindo com os modernos cortes de cabelos de regiões adiantadas introduzidos em Santana. Como o senhor José Barbosa ficou de fora, o meu terceiro barbeiro passou a ser o Apolônio que também trabalhava na mesma barbearia da Rua Nilo Peçanha. Depois o barbeiro mudou para a Rua Antonio Tavares e terminou sua carreira nos salão do cine Alvorada, à Praça Cel. Manoel Rodrigues da Rocha. Foi uma vida inteira como cliente. O belo nome “Apolônio” me chamou atenção. Era diferente e lembrava o político da música cantada por Luiz Gonzaga sobre a hidrelétrica de Paulo Afonso: “Delmiro deu a ideia/Apolônio aproveitou/ O presidente Café/Agora inaugurou (...)” Quando eu estava escrevendo o meu romance “Fazenda Lajeado” (ainda inédito) precisava de um personagem marcante para o papel de capataz da fazenda. Era preciso também um nome incomum e atraente. Tomei emprestado o belo nome do meu barbeiro e Apolônio passou a ser o capataz da “Fazenda Lajeado” (os leitores irão se apaixonar por ele). Diferente, todavia, do modo de ser e da aparência do capataz, Apolônio barbeiro, morador do sítio Jaqueira, era calmo e de fala mansa. Vez em quando me contava baixinho, uma das suas aventuras e falava ser bom atirador. Frequentava anualmente o Juazeiro do padre Cícero. Senti muito quando ele faleceu. Cabra bom! Como a família possui a tradição da tesoura, passei a ser cliente do seu filho Manoel Ferreira até o dia do seu falecimento, vítima, segundo o site, de infarto fulminante.
As barbearias hoje dão lugar aos salões unissex, deixando pessoas como eu ainda constrangidas. Nem nunca entrei em um desses salões, nem barbeiro nenhum rapou a minha barba (prática pessoal de quatro ou cinco vezes semanais). Na escassez dessa profissão, ainda resta o filho de Manoel Ferreira, também exímio na tesoura; é preciso saber se vai continuar a arte do pai e do avô. Meus sentimentos à família do barbeiro radialista e fã das serestas santanenses. Com a falta desses notáveis prestadores de serviço, afixemos o cartaz: PROCURA-SE BARBEIRO.

ESQUINA DO PECADO (Clerisvaldo B. Chagas. 26.3.2010) Minha primeira experiência coletiva intelectual em discussão foi em Santana do Ipanem...

ESQUINA DO PECADO

ESQUINA DO PECADO

(Clerisvaldo B. Chagas. 26.3.2010)

Minha primeira experiência coletiva intelectual em discussão foi em Santana do Ipanema. Entre quinze e dezessete anos, travei conhecimento com o “Negão Zé Lima” que morava com a tia no “Hotel Central”. Era um prazer muito grande encontrar-me com pessoa tão inteligente e atualizada. Zé Lima, moreno claro e franzino, tinha uma capacidade incrível de criar piadas curtas e dá respostas rápidas. O local predileto das nossas conversas era a esquina do hotel, principalmente à noite e aos domingos. Conversávamos principalmente sobre História e Geopolítica. Revirávamos o mundo inteiro onde entravam a Segunda Guerra, tipos de armas, principais combates, Vietnã e muito mais além de enveredarmos pelo campo das novas tecnologias. Zé Lima andava de amigação lá na baixada do “gamba”, cuja mulher era doida por ele. Mas o Negão era apaixonadíssimo por Zilma e não parava em todas as ocasiões de elogiar “seus olhos verdes e seu rosto meigo”. Certa vez fomos a Pão de Açúcar contemplar a procissão dos navegantes e ele não parava de falar sobre Zilma, lá em cima, no cristo, de onde víamos a bela paisagem das embarcações nas águas do São Francisco.
Depois chegou o Fernando Campos e integrou-se aos encontros. Jovem de família tradicional do Bairro Monumento surgia bem penteado e bem vestido, sem nunca largar um cigarro que parecia fazer parte dele. Descobri que era também inteligente e mostrava leves ideias socialistas. Em seguida surgiu o Arlei, gago, sabido e também com pensamentos semelhantes aos de Fernando. Alguns outros rapazes também compareciam, mas eram coadjuvantes nas palestras do quarteto.
Aos domingos, as mulheres passavam para a missa das sete e das dezenove horas e não paravam de pedir licença entre a parede da casa comercial e o poste onde se amarravam os cartazes do cinema e dos jogos de futebol. Ficávamos ali, escorados na parede ou no poste. Como o filme “Esquina do Pecado” estava em voga, dei o apelido do nome do filme àquela esquina que pegou rapidamente. Não falávamos mal das mulheres de Santana como sempre acontecia no “Senadinho” pesado de adultos na porta da igreja-monumento de Nossa Senhora da Assunção. Já foi dito acima qual era o nosso tema. Entretanto, como o nome do lugar era “Esquina do Pecado”, parece que incomodava as mulheres que por ali transitavam em direção à Igreja Matriz de Senhora Santa Ana. Um dia chegou à notícia de que o novo delegado havia recebido uma queixa sobre a esquina e iria visitá-la para recolher os componentes. Verdade ou mentira, por via das dúvidas, resolvemos abdicar. A roda do intelecto nunca mais se reunião ali. Depois Zé Lima foi trabalhar em Arapiraca (onde teve a vida ceifada em acidente); eu fui estudar na capital e perdi contatos com Arlei e Fernando. Soube recentemente que Arlei trabalha em Delmiro Gouveia (AL) e, Fernando, não sei. Mas foi com grata surpresa que o redescobri através da Internet, usando as letras que saem daquela cabeça da ESQUINA DO PECADO.
• Atualmente Zilma trabalha na Escola Helena Braga.
• “Gamba” = baixo meretrício.
• Pelo menos a “Esquina do Pecado” produziu dois escritores santanenses.