O TIME DO PEIXE (Clerisvaldo B. Chagas, 20 de agosto de 20l0) O amigo sertanejo está incomodado com as chatices das propagandas em carros d...

O TIME DO PEIXE

O TIME DO PEIXE
(Clerisvaldo B. Chagas, 20 de agosto de 20l0)

O amigo sertanejo está incomodado com as chatices das propagandas em carros de som? Pois saiba que aqui na “Cidade Sorriso”, a fuleragem é dobrada. Não tem ouvido que aguente! Desculpe o termo “fuleragem”, mas a palavra acima é insubstituível no momento. Fazer o quê? Como diria meu velho: “O comércio está empestado”. E quando passa um bicho daquele roendo os nervos, a vendedora de coco verde se manifesta: “Lá na minha região só dá esse cara. Ele vai vencer, mas não com o meu voto. E eu nem sei se vou votar. Tomar dois ônibus para subir os outros! Repara!” Pertinho, o ambulante do cigarro entra na conversa: Ô Maria, tão dizendo na Internet, comadre, que a pessoa faz 222 e depois empurra no verde. Pronto, não vota em ninguém e estar acabado”. Deixo os vendedores e vou dar uma espiadela no Teatro Deodoro. Um baixinho careca se aproxima como quem não quer nada e eu fico atento a minha carteira. O amigo sabe como estão as coisas. Passamos a desconfiar de todos, não é isso? Mas o baixinho chega e indaga em quem eu quero votar.  Vou fitando o indivíduo, cujo bigode grosso compensa a calvície, e devolvo a pergunta: “O senhor é do serviço secreto? Não. É pesquisador do IBGE? Não. Por acaso faz parte da máfia dos matadores de gente? Olhe que o senhor leva jeito. Deus me livre, moço! Bem, então, só pode ser candidato a deputado...” O  bigodudo abre um sorriso de prazer. Ser chamado de deputado para uns é insulto, para outros, metade da realização pessoal. Mas ele diz que estar procurando gente de presença, “assim como o senhor”, para entrar no time do peixe. Falo que estou muito satisfeito com o Vasco da Gama. Ele desconversa e diz que não é isso que estou pensando. Eu perco a paciência e peço para que seja claro que eu não vou ficar conversando o tempo todo com desconhecido suspeito. Até porque, disse também, pelo que sei jogo de bicho não tem peixe. O senhor não é cambista, é? Ele vai direto ao assunto dessa vez, e diz que disponibiliza cem reais para cada voto que eu tiver ou arranjar, para votar no deputado Fulano. E que se eu aceitar, basta o número do título e o CPF. Demonstro ar de surpresa e cobiça e digo que estou bem interessado. “Pois se o senhor tivesse me oferecido apenas uma onça, já que seu negócio é bicho, eu iria rasgá-la agora. Mas com um peixe a conversa é outra. Saio do Vasco da Gama agora e vou para o Santos. O bigodudo se anima e pergunta quantos votos posso arranjar. Respondo que, entre sessenta e setenta. Peço que me deixe telefonar para o amigo Zezão que é uma pessoa de família enorme. O homem fica tão feliz que parece saltitante como tico-tico. Digito de mentira e falo em voz alta para o tenente Zezão que ali na praça está o homem que ele anda a procura. Descrevo o baixinho e peço para que o inexistente policial traga a patrulha que o comprador de voto tem cara de valente. Quando me viro para encarar o peixeiro, o baixinho parte numa velocidade, meu amigo, que nem bala pega. Na hora passava uma ambulância, cuja sirene ligada ajudava a untar sebo nas canelas. Lembrei de Neymar, Ganso, Robinho... Mas é nada, homem! Tem jeito!? Só faltava essa, entrar no novo TIME DO PEIXE.

O SILÊNCIO DAS CATACUMBAS (Clerisvaldo B. Chagas, 19 de agosto de 2010) Quem se propõe a pesquisar sempre, pode esquecer tempos de folga. ...

O SILÊNCIO DAS CATACUMBAS

O SILÊNCIO DAS CATACUMBAS
(Clerisvaldo B. Chagas, 19 de agosto de 2010)

Quem se propõe a pesquisar sempre, pode esquecer tempos de folga. Ao sentir o gosto das descobertas, cada texto, cada frase, cada palavra, pode causar dependência. Uma vez dependente adeus lazer! Certa vez dividi uma das minhas turmas de alunos em dez grupos. Cada grupo ficou encarregado de pesquisar em lugares diferentes. Ainda lembro alguns desses lugares como o açude do Bode, um banco, o Abrigo São Vicente de Paula, o cemitério, uma fabriqueta, o mercado de carne, um compartimento da feira livre e outros que me escapam. Naturalmente o espanto da turma foi pesquisar no cemitério. Um daqueles alunos mais ousados, logo se prontificou, formando imediatamente a sua equipe. O resultado das pesquisas seria apresentado e discutido esse conjunto da nossa sociedade. Resumindo, o melhor trabalho foi aquele sobre o cemitério, apresentado e aplaudido vigorosamente.
Deve ter sido, nos meados do século passado, uma necessidade demolir o velho cemitério construído pelo padre Veríssimo. De certa maneira, a construção impedia o estiramento da cidade em direção ao serrote Pelado e a saída Santana do Ipanema – Maceió. Houve polêmica sobre a decisão vinda de cima para baixo. Mas, diante de uma sociedade passiva, coerente ou não, manda o poder. Não temos conhecimento de registros sobre as famílias ali sepultadas. No tempo em que bonitas e grandes catacumbas representavam a continuação do prestígio das famílias ricas ou tradicionais, epitáfio era coisa importante. Assim os cemitérios sempre representavam fontes de pesquisas para a Geografia, História, Artes, Arqueologia, Antropologia, Sociologia e outras “ias”. A cidade ganhou em expansão, mas perdeu essa fonte importante de pesquisas sobre as primeiras famílias ali sepultadas, cujas lápides poderiam ter ajudado no quebra-cabeça da formação social santanense. Os Rodrigues, Gaia, Gonzaga, que dominaram o núcleo por bastante tempo, ficaram apenas na memória de algumas pessoas, mas também em confrontos com outras informações que não se complementam.
Os cemitérios modernos guardam apenas nomes e datas, mas por certo tem seus arquivos informatizados. Sem dúvida o ambiente de morte tem seus mistérios que são coisas invisíveis aos encarnados. Um terrível drama é formado entre os espíritos que não receberam ainda autorização para se desvencilharem de redes que os mantém presos a terra. A leitura kardecista, em parte importante sobre a passagem, também se encaixa na tarefa do bom pesquisador. Na superfície, a tranquilidade conhecida pelos vivos, no plano espiritual, coisas que só excelentes leituras nos podem esclarecer. Entretanto, queríamos apenas falar na importância da pesquisa em qualquer lugar, inclusive nos cemitérios. Desde os subterrâneos do Vaticano até aquele cemitério tão pequeno de uma vila, povoado, fazenda, encontramos muitas informações em letras e números estilizados ou tortuosos. É desse modo que fala O SILÊNCIO DAS CATACUMBAS.

DESENHANDO A TARDE (Clerisvaldo B. Chagas, 18 de agosto de 2010) Prefiro o PC normal a esse tal notebook . Mas como é o jeito vamos registr...

DESENHANDO A TARDE

DESENHANDO A TARDE
(Clerisvaldo B. Chagas, 18 de agosto de 2010)

Prefiro o PC normal a esse tal notebook. Mas como é o jeito vamos registrando o cotidiano. Ainda estou aqui na “Cidade Sorriso” sem a definitiva Internet. Telefona-se para “A” e “B” e nada de ligação. Falam que instalaram um cabo. E que cabo é esse, tão difícil assim. Lembro logo do cabo de vassoura, rolo frágil quebrado na cabeça de muitos maridos por aí. Cabo de guerra, brincadeira de gente besta que teima em medir forças. Cabo Zeferino, antigo barbeiro de Maceió, gozado pelos clientes do Bairro do Prado.  Cabotino, cabo Henrique e o cabuloso que deve ser o mesmo cabo que futuca na Web. Encontramos na BR-316 Santana – Maceió um caminhão tombado, pneus contando os pingos de chuva. E logo a jornada agradável vira uma irritante espera. Os botijões da carga imitam brancos soldados da paz, tesos no asfalto. Acolá, um gipão moderno, aos beijos, namora o mato verde, marginal. Alguém fala que foi um “quebra de asa” para não ser esmagado pelo carro grande. A amiga sabe o que é “quebra de asa”? Nem pergunte! Uma velhinha não se contém e diz que foi Deus. Foi Deus o que, minha velhinha? Mas ela nem estirou o pescoço ainda para ver a cena. Apito a boca, um guarda cáqui acena perto dos soldados brancos. O trânsito flui.
Maceió parece em festa inaugurando supermercado novo. O motorista diz que “é gente como a peste!” Ah! Agora são as donas de casa falando em promoção, dando o preço de tudo, somando vantagens, babando a ausência. Passam as horas. No fim da tarde o tempo muda, sopra um vento frio. Enquanto aguardo exames de rotina vejo do alto as águas da lagoa. POR FAVOR, NÃO ABRA A JANELA. Mas é nada, compadre! Quem diabo quer deslocar a vidraça! Basta o pulo de tal “Jamaica” da ponte de Santana. Concentram-se as nuvens sobre as água da lagoa. Cinza muito escura no alto, superfície clara, cinza uniforme até as barreiras. Longe, uma faixa parece metal incandescente contrastando com as nuvens da tardinha. As águas de cassa conquistam e vão aspergindo na lagoa Mundaú.
Chega minha vez de atendimento. A mulher de branco manda sentar, pergunta e anota. Anota e pergunta. E como quer saber sobre as minhas atividades, falo também dos escritos diários na Internet., no compromisso comigo mesmo que faço questão de cumprir. A médica fica sem saber como é que alguém pode escrever crônicas diárias. Onde encontrar tanto assunto assim, continua a mulher da Ciência. Encolho meus ombros e digo que não sei, mas assunto não falta. E enquanto ela baixa a cabeça e escreve, digo acanhado, tímido, com reservas: “O assunto de amanhã é a senhora”. O Sol quer se esconder quando deixo o prédio. A lagarta de automóveis na Avenida vai se encorpando na volta doida para casa. Passageiros parecem cansados nos pontos de espera. Passa o vendedor de CDs piratas poluindo o ar. Coletivos param bruscamente. Um homem observa da esquina, puxa um lápis e anota. Talvez também seja cronista DESENHANDO A TARDE.