DÊ-ME UM CIGARRO (Clerisvaldo B. Chagas, 25 de abril de 2011).           Ao contemplar a paisagem da baía da Guanabara, chega-me ao pensam...

DÊ-ME UM CIGARRO

DÊ-ME UM CIGARRO
(Clerisvaldo B. Chagas, 25 de abril de 2011).

          Ao contemplar a paisagem da baía da Guanabara, chega-me ao pensamento, certa marca de cigarro. Deixo-me percorrer uma faixa de lembrança que vai caldeando o cotidiano com a história da minha terra. Arte tem tempo e tem história sim, melhor de que a escrita, muitas vezes. Busco um colecionador de marcas de cigarros que tem mil e setecentas marcas. A mãe dele e ele ficaram encantados com a beleza das estampas, assim como os meninos da minha rua, da minha cidade. Ah! Mas não lembro tantas marcas assim. Mas houve época em que nós, os meninos, andávamos com maços de notas semelhantes às cédulas verdadeiras. Serviam como troca e pagamento em nossos jogos de ximbras. Os cigarros mais conhecidos eram o Continental (maço azul com desenho do continente americano); Astória (maço amarelo); depois o Hollywood. A partir daí um festival de marcas, entre elas, Fio de Ouro, Urca e Yolanda. Continental era de classe. Astória, de quem não podia adquirir continental. Era forte e substituiu o fumo de rolo. Um amigo comprava um maço de cada. No bolso de cima o Astória, “para os pidões”, dizia ele. O Continental no bolso de baixo, bem guardado.
          Nunca fumei, mas achava bonito o vício em mulheres fumantes, entre elas, na minha rua, Dona Mirtes, inveterada. A belíssima Zezé Oliveira, filha de Seu Manezinho Quiliu, mulher em toda plenitude que me fazia sonhar com seu charme, classe e elegância. Ai, ai, meu caminhãozinho de apenas dez anos! Mas a minha prima Isabel Sobreira fumava que só uma caipora. Vi homens que não tirava o cigarro da boca. Partiram em consequência, como o contabilista Luís Medeiros, o comerciante Idelzuíto Melo, Damião irmão de Mirtes, e outros que jamais foram vistos sem um cigarro, pois o próximo era sempre aceso com o anterior. Nessa época, passava frequentemente à porta da minha casa, um cidadão moreno claro, bigodinho, paletó esporte, sempre elegante. Cabelos pretos, cigarro entre os dedos, olhar para baixo, passos rápidos e duros. Caminhava em direção à Rua São Pedro, nem sei se entrava antes ou depois. Ainda hoje procuro saber seu nome e não tenho a quem perguntar. Sei apenas que era jogador de baralho. Mantive seus dois vícios, dei-lhe o dom da poesia e o transformei em personagem do meu romance, Basileu, "Deuses de mandacaru". O cigarro Hollywood chegou como coisa mais fina e até hoje continua na praça. (Os cigarros de hoje possuem cheiro de lixo em combustão). O Yolanda foi motivo de samba. E as outras marcas enriqueceram os nossos bolsos de crianças com a categoria dos seus desenhos e cores.
Os cigarros continuam matando como nunca. Dizem que são os índios americanos vingando os massacres dos brancos europeus. Uma herança indígena, o vício de fumar, que se espalhou por todos os continentes. Mas não quero, falar das doenças provocadas pelo fumo, nem dos óbitos, nem dos males dos vícios. Queria ressaltar apenas o atrativo, a sedução, o fascínio das estampas dos maços. Isso lembra até o ensino das gramáticas. Perguntavam elas nos mistérios da língua Portuguesa se o certo era: Me dê um cigarro ou DÊ-ME UM CIGARRO.

• Depois de ser lido em vários países, tenho a grata surpresa de ser chamado “celebridade” da cultura em site indonésio. Mesmo que não seja, hum! Muito obrigado aí pessoal da Indonésia.

O CRISTO DE TOMÉ (Clerisvaldo B. Chagas, 22 de abril de 2011).           Durante o período de Semana Santa, os jornais televisivos costuma...

O CRISTO DE TOMÉ

O CRISTO DE TOMÉ
(Clerisvaldo B. Chagas, 22 de abril de 2011).

          Durante o período de Semana Santa, os jornais televisivos costumam destacar as tradições religiosas de Minas Gerais. Será por que os mineiros mostram atos que não existem em outros lugares? Será pela maior perfeição dos seus trabalhos litúrgicos? Ou será por que as comemorações mineiras continuam no passado e a de outros estados, no presente? Não importa. Os últimos dias de Nosso Senhor Jesus, o Cristo, ainda emociona e atrai multidões em qualquer parte do Brasil. Segundo a televisão, em Sabará, cidade histórica de Minas Gerais, acontece à abertura do túmulo de Jesus. A cena é realizada na quinta-feira na igreja de São Francisco de Assis, mantendo assim uma tradição de mais de duzentos anos. Nessa ocasião existem cânticos, grupo de penitência e finalmente a exposição do corpo de Jesus ensanguentado. É interessante, mas a Bíblia não diz que foi assim.
          Ninguém abriu o túmulo de Jesus e muito menos retirou seu corpo ensanguentado. E na quinta-feira, Jesus ainda vivia. Vejamos:
          Adaptando a leitura bíblica, no primeiro dia da semana, Maria Madalena, ao amanhecer, mas ainda escuro, foi ao túmulo de Jesus, encontrando-o sem campa. Pensando que o corpo havia sido roubado, voltou correndo e foi relatar a Pedro e a João. Os dois correram para o local, porém, João, mais novo, chegou primeiro. Não entrou no túmulo, mas viu os lençóis que envolveram o Cristo. Pedro chegou depois, entrou no túmulo e viu os lençóis. O lenço que estivera sobre a cabeça de Jesus, estava dobrado em lugar à parte. João entrou depois, viu e creu. Entretanto, eles ainda não entendiam a escritura, que importava que ele ressuscitasse de entre os mortos. Voltaram a casa. Maria Madalena permaneceu na parte de fora da sepultura, em pé, chorando. Abaixou para olhar para dentro e viu dois anjos vestidos de branco, assentados onde fora colocado o corpo de Jesus, um à cabeceira, outro aos pés. Perguntaram por que ela estava chorando. Madalena respondeu que era porque haviam levado o corpo “do meu Senhor, e não sei onde puseram”. Olhou para trás e viu Jesus em pé e não o reconheceu. Com a fala de Jesus, ele foi reconhecido e aconteceu um breve diálogo.
          É bom notar que essas coisas aconteceram antes dos três dias completos, pois fora ao amanhecer da segunda e Jesus havia morrido às três da tarde da sexta.
          À tarde, Jesus apareceu aos apóstolos, a casa onde eles estavam reunidos às portas fechadas. Tomé não estava. Só oito dias depois, Jesus apareceu novamente e, dessa vez estava Tomé que não acreditara nas palavras dos amigos. Foi quando Jesus mandou que ele tocasse às suas feridas para acreditar na sua (do Cristo) Ressurreição.
          O que acontece com boa parte dos seguidores, porém, é que, ao invés de viver voltada para a alegria e a boa nova da Ressureição, passa a vida inteira procurando sepulcros. Não consegue achar o sentido da existência. Enquanto encosta-se às sepulturas vazias, com certeza esquece o Senhor vivo de Madalena, O CRISTO DE TOMÉ.



O LAVA-PÉS DA MATRIZ (Clerisvaldo B. Chagas, 21 de abril de 2001 ).        Vem à lembrança hoje, quinta-feira Santa, a imagem do cônego Lu...

O LAVA-PÉS DA MATRIZ

O LAVA-PÉS DA MATRIZ
(Clerisvaldo B. Chagas, 21 de abril de 2001).

       Vem à lembrança hoje, quinta-feira Santa, a imagem do cônego Luiz Cirilo Silva, pároco na minha terra entre 1951 e 1982. Originário da serra da Mandioca, município de Palmeira dos Índios, Luís Cirilo assumiu a Paróquia de Senhora Santa Ana, após o falecimento do cônego penedense José Bulhões. De qualquer maneira, a morte do Cônego Bulhões levou com ela o fim do mando religioso na política, iniciado em 1787, com o padre Francisco José Correia de Albuquerque, um dos fundadores do município, da Matriz e da Freguesia de Sant’Anna do Panema. (“O boi, a bota e a batina, história completa de Santana do Ipanema”). Luís Cirilo, inaugurando uma nova fase da Igreja municipal, brevemente tornou-se popular, sendo considerado o mais querido da história paroquiana. Viveu o auge do catolicismo em Santana do Ipanema, época das grandes quermesses, folclore cheio, novenas constantes, leilões obesos, sermões arrebatadores, banda de música, enormes procissões e sucessos absolutos nas festas da Padroeira. Foi professor do Ginásio Santana, fundador do salão paroquial e participante ativo em todos os grandes eventos da “Rainha do Sertão”.
       Certa feita, lá dentro dos meus possíveis dez anos, recebi um convite para participar da liturgia do lava-pés. Aceitei. Vesti o camisão dos apóstolos, quando duas mãos fortes ergueram-me pelas costelas até o altar-mor da Igreja Matriz de Senhora Santa Ana. Fiquei ali, quietinho como um santo, vestido de branco, no meio dos outros meninos. Havia muitos padres. Tudo correu bem, até que fui para casa satisfeitíssimo por ter sido prestigiado entre a garotada. Meus pais, católicos fervorosos, também. De quebra ainda ganhei um envelope azul com uma cédula novinha dentro. Quer dizer, saí num lucro e tanto! Sempre frequentei a Igreja desde os tempos do catecismo, fortalecendo o espírito para enfrentar as futuras barreiras da vida, sem se perder na longa caminhada. Era a época do padre Cirilo, da cantora do coro, Marinalva, sua irmã, do sacristão Jaime, do zelador e sineiro Major.
       O tempo passou. E a surpresa da gente é olhar em redor e notar a falta de tantos companheiros que já se foram. Sempre que chega a Semana Santa e a cultura popular da época, bate certa tristeza no peito do caminhante. Ontem a lua estava belíssima ─ você viu? ─ Com brilho e roupa de gala desfilando no céu desenhado (de Nosso Senhor). O mesmo céu absoluto, fraterno e diligente da meninice. Vou imaginando, imaginando... Que bom, o tempo do padre Cirilo! Desculpe, meu amigo, deixe minha crônica mergulhar na bacia líquida de lágrimas. Semana Santa é toque nos corações poéticos, sofridos, sensíveis, resistentes, dos filhos de Jesus. É difícil prosseguir as linhas sem marejar. Ali, o coração do Homem, acolá, o manto da Mulher. Não, você não tem nada com isso, perdão, foi apenas um argueiro que passou (na alma). Caminhar, caminhar, caminhar... É o sereno da noite, é o orvalho da aurora... O calado silêncio das horas mortas. Quando nos píncaros das ações, no aconchego dos sentimentos, nos granizos do porvir, sinto como se minha vida inteira tivesse sido conduzida como a água, as mãos, o pano e O LAVA-PÉS DA MATRIZ.