POBRE POVO Clerisvaldo B. Chagas, 14 de junho de 2011           Continua em Santana do Ipanema, a falta de coletivos para os trabalhadores...

POBRE POVO

POBRE POVO
Clerisvaldo B. Chagas, 14 de junho de 2011

          Continua em Santana do Ipanema, a falta de coletivos para os trabalhadores e população em geral. O comércio e os diversos serviços que atuam na “Rainha do Sertão” fizeram crescer a necessidade de transportes de massa. Quem contempla, mesmo de longe, do Bairro São José, através do espaço entre as casas do Alto dos Negros, lá longe do outro lado do rio, fica impressionado. O trânsito por aquela rua comprida e estreita, forrada à base de paralelepípedos, no jargão popular, desembestou. Calçamento péssimo entre o riacho Salgadinho e o Hospital Dr. Clodolfo Rodrigues de Melo. Já falamos sobre isso outras vezes. Ninguém calcula os benefícios sociais trazidos pelo novo hospital. Entretanto, a inflação, nessa terra também chamada “Capital da Carestia”, perdeu sela, rédeas e cabresto. Nas imediações da Unidade, um casebre avaliado em dez mil reais, pulou para cinquenta. Imaginem quando iniciarem os trabalhos da UFAL, ali vizinho! Mas o que está doendo mesmo no bolso da população mais carente, é o preço exorbitante das corridas de táxis e moto táxis para àquela periferia. Os taxistas adormeciam dentro dos carros, nos pontos, por falta de clientes, agora espicham o couro de quem precisa. E os moto taxistas que triplicaram o preço da corrida, cobram à vontade. Não existe critério quando o destino é Alto dos Negros, Cajarana, Conjunto Marinho. E mais: pelo dia é um preço pela noite outro preço. Quem tem seus familiares internados, só falta perder os cabelos com a cobrança exploradora dos transportes. Os que têm que subir a longa colina a pé, duas ou três vezes ao dia, para assistência aos familiares, ficam arriscados à doença também pelo preço das corridas. É aí que entra mais uma vez a necessidade de coletivo urbano. Um tipo pequeno, leve, de mobilização rápida para o comércio e extremos como a Lagoa do Junco (UNEAL, Batalhão de Polícia, Fórum); Cajarana (Hospital, brevemente UFAL); Barragem e Lajeiro Grande.
          A reestruturação do acesso ao hospital é uma necessidade em curto prazo. Mas o incentivo público ao transporte coletivo deve ser prioridade. Os capacetes dos motos taxistas estão precisando da Vigilância Sanitária. Suados, Fedorentos, podres. Uma ameaça constante a piolhos e dermatoses que dão um trabalho da peste para sanar. Temos exemplos. Uma touca descartável sob o famigerado evitaria muitas coisas desagradáveis. A própria associação deveria se encarregar do assunto em benefícios dos seus clientes, junto aos órgãos da Saúde.
          Enquanto isso, os que não podem pagar o que não têm, penam com as duas pernas que Deus lhes deu, em busca de serviços nos extremos ladeirosos de dois, três quilômetros na cidade. Na falta de incentivo à implantação particular do transporte de massa, o poder municipal deveria facilitar a solução aos seus munícipes que expõem os bofes nas colinas de Santana. POBRE POVO!



LAMPIÃO FILOSOFA EM CUSTÓDIA Clerisvaldo B. Chagas, 13 de junho de 2011           Entre a crueldade do punhal e a inteligência do chapéu, ...

LAMPIÃO FILOSOFA EM CUSTÓDIA

LAMPIÃO FILOSOFA EM CUSTÓDIA
Clerisvaldo B. Chagas, 13 de junho de 2011

          Entre a crueldade do punhal e a inteligência do chapéu, Seguia Virgulino Ferreira da Silva, assombrando os sertões de Pernambuco, Paraíba e Alagoas, até 1925, quando resolveu ampliar sua faixa de atuação. Foram anexados ao cangaço lampionesco, a partir de 1927, mais o Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia e Sergipe. Afora os dotes militares, são incluídos os pendores listados por vários especialistas do cangaço, como os de parteiro, artesão, vaqueiro, almocreve, poeta e outros mais. No meio da sua parafernália, compartimentam-se suas “tiradas” filosóficas em diversas ocasiões, que soavam como uma espécie de sentença. Para um homem da roça que viveu toda a sua vida no meio rural, nos lugares mais esquisitos, aprendeu bastante com a sabedoria sertaneja, acrescentando da própria lavra essas tiradas ocasionais que se assemelham aos chistes característicos da região de São José do Egito, em Pernambuco. Mas suas tiradas eram sérias e decisivas, algumas delas captadas pela nossa coleção. Como exemplo, ele dizia, no caso de surgir várias soluções para um mesmo problema: “Homem, plano é o primeiro”.
          De 1922 a 1925 atuando maciçamente nas fronteiras dos três primeiros estados, Lampião satanizava os sertões como terrível pé de vento. Era difícil de entender, então, porque ele entrara em Custódia, na época, vila da atual Sertânia, “amando e querendo bem” como costumava dizer. Em 11 de fevereiro de 1925, entrou na vila logo cedo e ficou aguardando que o povo acordasse, que as casas se abrissem. Estava com ele, entre outros, Mata Redonda, Fato de Cobra, Chá Preto, Chumbinho, Sabino, Sabiá e Jurema. Comeu, comprou, mandou fazer roupa, curativos em feridos, palestrou à vontade, não mexeu com ninguém. Ali gozou de um oásis temporário. Depois até Custódia entrou para o musical do cangaço com essa e outras quadrinhas, tudo indica, confeccionada dentro do bando:

“As moças de Custódia
  São feias, mas têm ação
        Guardam queijo e rapadura
    Pra o bornal de Lampião”

          Em Custódia, Lampião ainda foi à casa de um cidadão, sentou tranquilamente em sua calçada e falou para ele: “Você não disse que se eu entrasse aqui seria morto?” E diante do aperreio do morador, complementou na sua paz: “Deixe de besteira, homem, olhe eu aqui”. E não saiu sequer um cascudo.
          Resolvendo enviar correspondência ao governo estadual dizendo coisas que por certo não agradaram ao destinatário, assim procedeu. Dizem que foi a única coisa que não pagou na vila de Custódia, filosofando após o ato, mais ou menos com essas palavras: “Isso aqui é do governo, por isso não vou pagar. Se eu pagasse estaria roubando a mim mesmo”.
          Não sabemos se o bandoleiro soltou beijinhos, beijinhos na despedida, mas que ficou na história, ficou. Ainda hoje LAMPIÃO FILOSOFA EM CUSTÓDIA.


SÓ VAI ACOCHANDO TUDO Clerisvaldo B. Chagas, 10 de junho 2011           Todas as grandes obras do Sertão deram trabalho. Trabalho de dezen...

SÓ VAI ACOCHANDO TUDO

SÓ VAI ACOCHANDO TUDO
Clerisvaldo B. Chagas, 10 de junho 2011

          Todas as grandes obras do Sertão deram trabalho. Trabalho de dezenas e dezenas de anos de reivindicações, lutas, protestos, zoadas. Hospitais, rodagens, asfaltos, pontes, delegacias, terminais rodoviários, escolas, repartições públicas, cursos superiores, açudes e tantas outras coisas fizeram o sertanejo perder o sono e afiar a goela. Na minha existência ainda não vi governo bonzinho para o Sertão. Tudo é como foi dito acima, inclusive água e luz.
          Quem já teve oportunidade de viajar pela BR-316, de Palmeira dos Índios em direção a Inajá, em Pernambuco, fica encantado com o chamado retão que corta o peneplano sertanejo. É quando o motorista diz que de Palmeira dos índios a Inajá você roda sem mudar a marcha. Quando as estradas de barro eram bem conservadas, tive oportunidade de fazer essa viagem de Santana do Ipanema a Inajá numa carreira só como se fala por aqui. Estradona larga, bem conservada que ─ usando outra expressão popular ─ parecia um prato. Na época, o verdume da caatinga e o cheiro inebriante do mato, deixavam no viajante uma sensação enorme de bem-estar. Ao longe, o morro do Carié, em forma de lagarta, destacava-se no raso de caatinga servindo de importantíssimo ponto de referência. É o entroncamento mais importante do Nordeste, diziam. Dali pode ser usada a rosa dos ventos para Maceió, Paulo Afonso, Garanhuns e suas respectivas capitais. Continuando a reta a partir do Carié, íamos passar dentro de Canapi e depois no acesso a Mata Grande até chegar ao estado de Pernambuco. O resultado é que o asfalto rodeou o Carié, (na época com apenas um casa e um hotel) distrito agora que congrega centenas de moradores, mas a parte oeste continua no barro. A estrada foi sendo desprezada e atualmente o trecho Carié fronteira com Pernambuco é um tormento físico e paraíso de assaltantes.
          Esse protesto no entroncamento causou um imenso transtorno. Mas quem luta há quase cinquenta anos pelo asfalto, sabe que se não fizer assim, não sai nunca. É incalculável o prejuízo daquela região pela falta de benefícios nas cidades e no campo, durante essas cinco décadas. Parabéns pela coragem nas batalhas duras que enfrentam, cidades de Canapi, Inhapi, Mata Grande, Água Branca e o distrito Carié, juntamente com outros municípios pernambucanos na ponta da linha. Se ainda fosse vivo talvez assim cantasse, o saudoso repentista santanense, Zezinho da Divisão, com seu mote preferido:

 Se você quer ser ouvido
Grite que só condenado
      Por que um grito bem dado
           Dói nas oiças do bandido        
Se você for atrevido
Passe por cima de tudo
Pois só assim o buchudo
De longe lhe compreende
Gritando ao corno ele atende
SÓ VAI ACOCHANDO TUDO