TABACARIA Clerisvaldo B. Chagas, 21 de novembro de 2016 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica 1.594 (Foto: Márcio Chagas G...

TABACARIA

TABACARIA
Clerisvaldo B. Chagas, 21 de novembro de 2016
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.594

(Foto: Márcio Chagas G1).
Novembro é o mês dos ventos.
Foi boa a reportagem publicada no G1 sobre a comunidade Quilombola Tabacaria. Os autores são Márcio Chagas e Paula Nunes, numa edição de ontem, 20 de novembro, dia da Consciência Negra. Com 69 comunidades quilombolas, Tabacaria, zona rural de Palmeira dos Índios, iria receber ontem a titulação das terras, em solenidade condizente na serra da Barriga. As condições em que vivem os descendentes de escravos, não são diferentes de inúmeras outras comunidades rurais, povoados, vilas, bairros e ruas de cidades pequenas e grandes do Brasil. Uma reportagem de cinco páginas e cinco fotografias ampliadas mostram sem maquiagem o drama cotidiano do que é ser negro neste país e, além de negro, descendente direto de escravos.
Mas se o alerta foi dado numa reportagem anual quando se comemora a morte do herói negro Zumbi, fica invisível a situação humilhante após o dia da Consciência. Os bolsões de misérias estão em todos os lugares independentes da negritude e da brancura. No caso de localizações rurais, os habitantes ainda possuem uma válvula de escape nos tempos invernosos: o plantio do feijão, milho, mandioca e batata – que fica dependente das chuvaradas – porém, na periferia de todas as cidades, não existe condições nenhuma de fuga. E o que se vê é o fabrico do tráfico de drogas facilitado pela fome, pela falta do básico... Até mesmo pela ausência de um colchão ou um lençol.
O governo num todo, até que tenta reduzir a degradante condição humana comentada, mas a corrupção que vem de Brasília e se enraíza por assembleias, governos estaduais, prefeituras e câmaras, desanimam até grupos particulares que praticam a solidariedade.
(Foto: Márcio Chagas G1).
Hoje em dia, cada um cuidando dos seus próprios problemas, dificilmente sabe do que se passa com milhares e milhares de famílias que às vezes nem comem uma só vez em vinte e quatro horas.
A reportagem sobre Tabacaria (nome da comunidade quilombola devido a antigo plantio de fumo) é apenas a ponta da ilha submersa.
Aguardamos novo despertar na consciência dos mandatários do Brasil e a mudança favorável dos ventos de novembro.



CONSCIÊNCIA NEGRA Clerisvaldo B. Chagas, 19 de novembro de 2016 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica 1.593 Ilustração ca...

CONSCIÊNCIA NEGRA

CONSCIÊNCIA NEGRA
Clerisvaldo B. Chagas, 19 de novembro de 2016
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.593

Ilustração capa do "Tigre dos Palmares"
Hoje, domingo, deverá acontecer grande festa na serra da Barriga, antigo centro do Quilombo dos Palmares. Gente do Brasil inteiro e mesmo pessoas de outros continentes comparecem a serra para os festejos anuais, em homenagem aos guerreiros negros que lutaram pela liberdade. A liderança maior do quilombo, Zumbi, após perder a última batalha para o bandeirante Domingos Jorge Velho, evadiu-se do monte com um grupo de guerreiros. Criou-se uma lenda na qual o chefe negro havia pulado em um dos abismos da serra para não se entregar. Dentro das pesquisas históricas foi descoberto que Zumbi foi viver nas imediações da serra Dois Irmãos onde, traído, perdeu um combate e foi assassinado. Contudo, o palco dos festejos é na serra da Barriga no município de União dos Palmares (Alagoas), perto da fronteira norte com Pernambuco.
A luta por melhores dias levou a ser criado o Dia Nacional da Consciência Negra que é celebrado no Brasil em 20 de novembro. “Foi criado em 2003 como efeméride incluída no calendário escolar até ser oficialmente instituído em âmbito nacional mediante a lei n0 12.519, de 10 de novembro de 2011”. A lei não obriga que seja feriado, assunto que varia de cidade para cidade, mas O Dia da Consciência Negra é um feriado em cerca de mil cidades brasileiras. Os estados em que o dia é feriado são os de Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiros através de decretos estaduais.
O evento é dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira, tendo sida escolhida a data para coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695.
Congressos, reuniões, são realizados na data discutindo-se a história de preconceito racial, as dificuldades de mercado, a marginalização, mas também incluídos temas como a beleza negra, moda, conquistas e mais.
Recomendamos como fonte de conhecimento e lazer o romance “O Tigre dos Palmares”, do saudoso escritor de Palmeira dos Índios, Adalberon Cavalcanti Lins, um primor da literatura histórica.




A FEIURA DE ZÉ FOGUETEIRO Clerisvaldo B. Chagas, 16 de novembro de 2016 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica 1.592 (CONTO PA...

A FEIURA DE ZÉ FOGUETEIRO

A FEIURA DE ZÉ FOGUETEIRO
Clerisvaldo B. Chagas, 16 de novembro de 2016
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.592
(CONTO PARA QUEM GOSTA DE LEITURA)

Ilustração: (bloquito.com).
Espiei para cima espiei para baixo, mas o danado do espelho não mentia: o homem era feio mesmo. Todo mundo casando e eu ficando no barricão. Olhe, acho que nos dezoito anos, bruguelo solteiro ali por perto somente eu. Quem diabo queria se casar com um homem desses! Namorada, não arranjava uma para remédio. Eita diabo! Estou cansado de chegar dos forrós, sozinho em casa. Mas São João é forte! Ora, se não é! No começo da madrugada fiz a minha promessa. Derrubei tronco, carreguei lenha e fiz a maior fogueira da redondeza. Agora sim, agora vou para o forró da Rua. Bem vestido, penteado, barbinha de rato... Ô homem feio da gota serena! Vou para o forró ou não vou? O Sim dizia: “vá”. O Não dava cada beliscão na popa da bunda que eu voltava da porta acabrunhado. Mas eu vou, eu vou. Peguei o chapéu quebrado pra cima, de meu pai. Fui à quartinha d’água, passei a mão no fundo e botei aquele dinheiro bom, novo e guardado no bolso. Já visse festa sem dinheiro? Atravessei o punhal comprado na terra de meu padrinho Ciço, no cinto de feira e parti. Não, não senhor, eu não queria furar ninguém... Todavia... Quanto mais mole mais o cão atenta.
Passando na frente da casa de Chico Dunga, Maria, aquela morena bonita, cheirosa e fofa: gritou: “Vai pra festa, Zé?” Oxente! Aquilo era comigo? “Ô meu fio, me leve com você que pai só confia em gente conhecida. Eu! Tá doido! Um cabra feio que nem eu com uma flor dessas na festa... Homem, eu estava sonhando e ainda nem tinha acordado. Mas era de verdade, rapaz, e lá vai eu pela primeira vez na vida de parelha com uma rosa. E você pensa que foi só isso? Maria não quis saber de ninguém e só dançava o forró comigo, parando de vez em quando para esquentar a goela. Diga pelo amor de Deus se São João não era santo forte! Mas também, tantos foguetes que já fiz pra ele... E a fogueirona prometida, maior do que as outras... Estava lá queimando na porta de casa, estalando angico e aroeira.
O Sol queria passar nos garranchos dos paus quando voltamos para casa. Não vou contar outras coisas para você porque é proibido, entende? Mas com feiura e tudo eu me casei com a fia de Chico Dunga. Todo ano é um menino. No meio-dia de ontem Maria estava na rede e eu perguntei: “Tá pensando o que, mulher?” Ela respondeu: “Ah! Eu estava pensando como é que uma mulher feia e horrorosa que nem eu tem a sorte de casar com um homem gostoso que nem tu?!”
Eita, peste! Foi um parapapá danado por dentro da casa que nem galo atrás da galinha, já visse!?
Nada pesado que um santo prestigioso não pudesse resolver. Toda vez que nasce gente lá em casa eu boto outra fogueira em cima da grandona nas festas de São João.
E a fogosa da Maria grita do quarto: “Demore não, Zé!”.

Fim