O DESPREZO DOS HOMENS Clerisvaldo B. Chagas, 20 de agosto de 2020 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.368 CRISTO DESCARTA...

 

O DESPREZO DOS HOMENS

Clerisvaldo B. Chagas, 20 de agosto de 2020

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.368

CRISTO DESCARTADO (FOTO: B. CHAGAS/LIVRO INÉDITO, "O BOI, A BOTA E A BATINA; HISTÓRIA COMPLETA DE SANTANA DO IPANEMA").


          O Serrote Pelado, ao norte de Santana, era apenas um
monte onde não ia ninguém. Certo dia, contudo, o proprietário mandou limpar o terreno e o povo pensava que ali naquele alto iria ser construída alguma coisa de proveito: um hotel, uma clínica de repouso, uma estação meteorológica... Nada disso foi feito. Apenas uma casa suspeita em forma de bar. Mais adiante, no governo Genival Tenório, que frequentava bastante o local, (1978-82) foi pavimentada a estrada de acesso ao Pelado numa engenharia estranha: paralelepípedos em camadas alternativas, niveladas e de níveis mais altos, numa justificativa de não deslizamento de pneus de automóveis. O prefeito, então colocou ali três imagens religiosas em tamanho normal: Cristo Crucificado ladeado por Frei Damião e padre Cícero. Após, rebatizou o serrote Pelado de Alto da Fé.

Como se vê, santo em lugar suspeito não iria dar certo. Muitas coisas profanas aconteceram por ali gerando revolta na comunidade cristã de Santana. No governo Isnaldo Bulhões (1983-88) atendendo  clamor popular, Bulhões fez descer do tal Alto da Fé, as imagens de Frei Damião e Padre Cícero. Cicero foi parar em pedestal defronte a sua igreja no Bairro Lajeiro Grande e, Damião foi transferido para uma pracinha com seu nome no Bairro Camoxinga. Cristo permaneceu solitário no ‘alto do pecado”. Somente no governo Marcos Davi (2001-2004) o Cristo foi removido.  Não sabemos se a equipe que deu novo destino a imagem era ateia ou não. Fomos consultados por puxa-saco onde deixar o Cristo. Recomendamos o verdadeiro alto da fé, o serrote do Cruzeiro de forte tradição religiosa.

Esperávamos alguma modificação na imagem e o seu encaixamento no grande cruzeiro existente, contemplando e abençoando a cidade. Muitos meses depois, qual não foi a nossa surpresa em visita ao serrote do Cruzeiro! Naquela grande solidão, deparei-me de repente com a imagem do Cristo, descartado, como se tivesse jogado ao lixo. Primeiro arrepiei-me com a surpresa. Parecia um homem vivo, angustiado, pedindo socorro. Segundo, veio uma emoção muito grande pelo que os fariseus fizeram. Estava a imagem escondida, desprezada e presa por trás da igrejinha.  Não tive ação para mais nada. Desci o serrote revoltado com o descarte do Mestre Jesus.  Denunciei o descaso em crônica pública. Nenhuma reação. Passados tantos e tantos anos do acontecido, acho que o Cristo Crucificado continua lá, clamando às autoridades que não merece o que fizeram com ele.

Crucificaram o Mestre pela segundo vez.

*Extraído do livro inédito: “O Boi, a Bota e a Batina, História Completa de Santana do Ipanema”.

 

 

  CADEIA VELHA Clerisvaldo B. Chagas, 18/19 de agosto de 2020. Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.367   CADEIA VELHA E...

 

CADEIA VELHA

Clerisvaldo B. Chagas, 18/19 de agosto de 2020.

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.367

 

CADEIA VELHA ERA NO PRÉDIO CINZA VIZINHO AO AMARELO. 

(FOTO: LUCIANA PONTES).


O antigo prestígio de uma vila estava na igreja, na cadeia e na entrega de correspondências. Eram essas três coisas que faziam com que novas construções surgissem e expandisse a parte física e o nome da localidade. Em inúmeras vilas, a implantação de feiras semanais, ajudaram bastante na atração rural com seus produtores,  produtos e venda. Uma delegacia ou subdelegacia também era coisa extraordinária que dava maior confiança ao futuro morador ainda em dúvida. Assim uma vila conseguia atrair muita gente e formar ruas chamando a atenção de pessoas de sangue político e desejo de mando. Estes se articulavam com políticos de cidades visando elevar as condições da vila e comandar a nova cidade que certamente surgiria.

Muitos outros fatores contribuíram para que Santana do Ipanema passasse à condição de cidade. Cinema, teatro, banda de música, calçamento e um comércio dinâmico que assegurava o abastecimento da região. Assim surgiu há muito tempo a Cadeia Velha de Santana, situada na antiga Rua do Sebo (hoje, pequeno trecho dividido como Nilo Peçanha. Desde a sua demolição, não se vê mais vestígio que indique ter sido ali palcos de muitas histórias escabrosas. Foi cadeia, necrotério, delegacia, sede de batalhão de polícia e área de venda de escravos. A pequena rua, emendada com a Antônio Tavares, modernizou seus edifícios transformando-os em casas comerciais, porém a tradição não deixava essa parte do comércio progredir. Sempre foi um pedaço morto, como rebarba da parte central.

A falta de pesquisadores interessados na história da cidade e a falta de vestígios da Cadeia Velha, emperram novas descobertas que poderiam trazer lume sobre a trajetória da urbe. Tempos depois da sua demolição, surgiu ali um edifício moderno que se transformou na primeira joalheria da cidade. Um lugar completamente sofisticado, pertencente ao sr. Gumercindo (?) apelidado “Gugu”, tio do saudoso professor Ernande Brandão. Espero não estar enganado.  

A Cadeia Velha foi substituída por delegacia moderna na localidade Aterro, trecho hoje da BR-316. Página de muitas lutas em Santana do Ipanema e Sertão alagoano.

 

 

  EU E O SENHOR DOS MUNDOS Clerisvaldo B. Chagas, 17 de agosto de 2020 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 2.366   (ILUST...

 

EU E O SENHOR DOS MUNDOS

Clerisvaldo B. Chagas, 17 de agosto de 2020

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.366

 

(ILUSTRAÇÃO: B. CHAGAS)

Ajeitei o chapéu de massa, aprumei o bornal e dei início a caminhada pela trilha. A meta era chegar ao topo do monte por veredas desconhecidas. Encontrei a primeira inclinação e subi por ela entre a vegetação de porte. Depois de muito andar subindo por aquele caminho estreito, parecia que eu estava só no meio do mundo. Eis que de repente avistei um homem alto de longos cabelos examinando os frutos de uma árvore. “Que bom! Alguém para me informar”. Fiz o cumprimento de praxe e o homem me perguntou: “Está indo para onde meu jovem?” Respondi: “Estou fazendo caminhada com destino ao topo, mas não sei se é por aqui.  Pode me indicar o caminho? Quem é o senhor?”. Eu achava que fosse um morador da serra, mas ele me respondeu: “Jesus, eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Um forte arrepio doce percorreu todo o meu corpo, da cabeça aos pés.

“Venha, dê-me sua mão”, disse ele. Dei a mão automaticamente como se tivesse hipnotizado. Não consegui mais dizer nada. Senti me descolar do chão, flutuar com ele e subir a trilha como pássaro voando baixo, sem parar, até o cume. Lá em cima ele largou minha mão e disse: “Contemple quanto é belo esse panorama que você queria ver”. Ainda sem conseguir falar, escutei sua palestra sobre outras coisas até que ele disse: “Quero que você faça um cruzeiro de madeira e o coloque exatamente aqui”. Deu-me a metragem da cruz, disse o tipo da madeira, a profundidade do buraco e a metragem que deveria ficar soterrada. Após, mandou preencher o buraco com concreto e deixar um entorno na cruz para visitantes cansados descansarem da subida.

Depois, o Senhor indagou se eu tinha dúvidas. Respondi que não. E Ele: “Você me promete?” Falei pela segunda vez: “Mestre, prometer eu não prometo, prometo apenas tentar”. Ele nada respondeu, apenas disse que quando tudo estivesse como ele pediu, voltaria para um exame. Despediu-se e sumiu da minha vista. Eu me  belisquei por todo canto para ver se era verdade tudo aquilo. Desci a serra trêmulo de medo e de ansiedade.

Providenciei tudo que ele me pediu, com um carpinteiro. Contratei pessoas para transportar o cruzeiro de madeira de lei. O braço da cruz foi pregado lá mesmo no topo. Após tudo terminado, voltei lá sozinho, uma semana depois. Quando cheguei ao topo, o mestre já estava lá, sentado e contemplando a paisagem. Ele deu-se por satisfeito e eu apenas perguntei: “Senhor, eu posso plantar um pé de rosas vermelhas no pé da cruz?” Ele disse: claro que pode, mas medindo cinco metros à direita”. Eu havia levado a muda e fiz como ele mandou. Daquele dia em diante nunca mais fui o mesmo na  minha vida.