O DESFILE Clerisvaldo B. Chagas, 11 de outubro de 2024 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano   Crônica: 3.125   Era um tempo feliz...

 

O DESFILE

Clerisvaldo B. Chagas, 11 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

 Crônica: 3.125

 



Era um tempo feliz, mas difícil. Não havia médico em Santana do Ipanema e no Sertão. As pessoas quando adoeciam apelavam para as ervas caseiras, as garrafadas ou rezas das benzedeiras ou rezadeiras. Quando a mulher estava perto de dá à luz, era assistida por parteiras que naturalmente traziam este dom, tanto na cidade quanto no campo. A parteira, tinha uma experiência extraordinária e sabia de orações poderosas. Havia parteiras no Sertão que contavam com centenas e centenas de partos sem perder jamais nenhum bebê. Lá em casa mesmo fomos dez filhos somente à base de parteira, cujo nome já esqueci. Morava no início da Rua São Pedro e parece que era a vó do conhecido Major Cavalcante. Pessoa humilde e altamente prestativa.

Já os serviços religiosos na zona rural, os padres utilizavam animais para seus deslocamentos: o cavalo ou o burro. Assim era a assistência aos enfermos, os casamentos e batizados que aconteciam nos povoados e sítios. Por sinal, em nosso livro “Canoeiros do Ipanema”, temos o registro do padre Bulhões atravessando o rio, de canoa, após acomodar sua burra viageira nesse tipo de transporte. A burra sentada e o padre corajoso enfrentando a fúria das águas, após viagens pelos sítios rurais. A situação foi mudando. No início da década de 60, ainda se contava os automóveis em Santana do Ipanema. Foi aí que uma surpresa tomou conta da cidade. De repente, um desfile de 60 jipes Willys aconteceu pela Avenida Coronel Lucena até o Comércio da cidade.  E se não me engano era dia de Carnaval.  Disseram que era sobra de guerra e vieram para quem quisesse os adquirir e acelerar o progresso da urbe.

O único médico da cidade comprou um jipe. O padre, comerciantes, fazendeiros, empresários aproveitaram a oportunidade. Bicho difícil de quebrar, o peste do jipe de guerra acionou mesmo o progresso latente de Santana e do Sertão. Além de muitos outros serviços importantes facilitados pelo veículo, o padre e o médico agilizaram seus atendimentos no campo. E como a década era mesmo de ouro, logo chegou a água, a luz, a televisão, a ponte sobre o Ipanema, o hospital e tantos outros benefícios. Vivemos e registramos a história sertaneja alagoana, o que nos traz o consolo e a certeza de dever cumprido.

Orgulho em ser sertanejo nordestino!

JIPE WILLYS, IMAGEM.

  QUEROBINO Clerisvaldo B. Chagas, 10 de outubro de 2024 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 3.124   Os mais velhos falav...

 

QUEROBINO

Clerisvaldo B. Chagas, 10 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.124

 



Os mais velhos falavam em Santana do Ipanema, que o homem mais mentiroso da região era tal Querobino. Segundo uns poucos, esse indivíduo teria trabalhado no DNER – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, Residência Santana. Mentia por lazer. Muito embora no meu tempo o maior de todos era o Lulu Félix< mas deixemos o Lulu para um outro trabalho. Pelo que contam, Querobino era mais ou menos como o Lulu, chegava de mansinho nas rodas de conversa e terminava soltando as deles, muitas vezes a pedido da plateia sequiosa. Lembro com clareza apenas uma das suas inúmeras mentiras soltas no mundo. Certa vez fora caçar e ficara numa espera aguardando bando de cardinheiras que iriam chegar à bebida. Naquele momento teve a ideia de pegar muitas cardinheiras de uma vez. Dirigiu-se a um lajeiro próximo e passou leite de jaca em toda a superfície do lajeado. Aguardou até a hora certa quando as aves migratórias começaram a chegar e posarem no lajeiro. Sentavam e ficavam grudadas. Quando ele viu que o lajeiro estava repleto de aves presas., correu para lá com um saco. Mas...  Qual não foi a surpresa! As cardinheiras, ao pressentirem que seriam capturadas fizeram tanta força para se despregarem que carregaram o lajeiro pelos ares.

O homem se tornou um personagem muito querido e solicitado nas palestras entre amigos. Estava bastante famoso na região sertaneja. E num tempo em que não havia televisão, as mentiras de Querobino divertiam jovens e adultos que procuravam rir de graça.

Certa feita o homem se aproximou de uma roda grande de pessoas que falavam de inúmeros assuntos sérios. Vendo Querobino chegar tristonho e sem falar com ninguém, disseram: “Querobino, rapaz, que bom você ter chegado, conte aí uma mentirinha”. E o homem com ares de tristeza: “Hoje não posso, acabo de perder a minha mãe e estou fazendo uma vaquinha para o seu enterro. Naquele momento a turma começou a lhe dá os pêsames, metendo a mão no bolso e enchendo-lhe às mãos de dinheiro. Querobino agradeceu a todos e foi saindo. Alguém se lembrou de perguntar com o homem já distante: “Querobino, quando é o enterro? E ele:

“ Não sei! Vocês não me chamaram para contar uma mentirinha!

 

 

  LAMPIÃO E VINTE CINCO Clerisvaldo B. Chagas, 9 de outubro de 2024 Escritor Símbolo do Sertão Alagoano Crônica: 3.123   La para o...

 

LAMPIÃO E VINTE CINCO

Clerisvaldo B. Chagas, 9 de outubro de 2024

Escritor Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 3.123

 



La para os idos dos anos sessenta, surgiu um soldado de polícia em Santana do Ipanema. Alto, forte, de casquete, era muito cabuloso e arrogante. Sua antipatia logo correu fama pela cidade. Ao chegar ao baixo meretrício durante algumas horas da noite exclamava para as donas de Bordéus, repletas de clientes: “Cinco Minutos para fechar, cinco minutos”, dizia batendo às mãos. E por causa disso, o soldado ganhou o apelido de “Cinco Minutos”. E “Cinco minutos”, saiu metendo medo na população santanense. Não era que vivesse brigando, era impondo com arrogância que causava constrangimento em qualquer cidadão. Certa feita, porém, notou no Comércio um volume de arma soba a camisa de um cidadão e pareceu se alegrar. “Vou lá agora, tomar sua arma”. Foi aí que alguém o advertiu: “Aquele ali é Floro, o Vingador do Sertão, vai lá? O valentão Cinco-Minutos deu um cavalo de pau e deve ter pensado: “A peste é quem vai!”.

XXX

Em Olho d’Água das Flores, o maluco vulgo “Vinte e Cinco”, perambulava pelo Comércio fechado, naquele feriado nacional Lampião chegara na surdina pelas imediações. Na sua espreita pelos arredores, notou que um cidadão iria passar por ali e parecia ter vindo da cidade. Lampião saiu das moitas, apresentou-se ao homem e indagou educadamente: “Bom dia, meu amigo. Vem da rua? ”.  “Venho sim senhor”. “Tem muitos soldados lá?”  “Não senhor, na rua só tem Vinte e Cinco”. Lampião agradeceu, dispensou o homem, voltou-se para seu Estado Maior e disse: “Hoje dá certo não, atacar Ôi d’Água das Fulô. Nós só samo 15 e lá tem vinte e cinco” E assim a vila de Olho d’Água foi salva sem saber, pelo doido Vinte e Cinco. Uns cabras olhodaguenses me contavam isso sob uma árvore na Rua Central daquela cidade, e gargalhavam de cair de costas.

No caso de cima, reflita com a sabedoria do povo nordestino: “Remédio para um doido, é doido e meio “. E no caso de baixo, ninguém é imprestável no mundo. Pois, um doido sem saber salvara uma vila inteira da sanha endiabrada de Lampião.

 

Em Santana do Ipanema, o ébrio incorrigível “Coleta”, tinha um medo horrível do delegado civil Izaías Rego. Com o seu chapéu de palha quebrado lateralmente, exclamava ao se deparar com a autoridade: “Aves Maria, Seu Izaías! “.  A frase de Coleta tornou-se moda geral em ditado popular.

Nem Cinco Minutos, nem Lampião: Ave Maria, Seu Izaías!