QUEM MANDA?
Clerisvaldo B. Chagas, 20 de setembro de 2011
A coisa está braba, cabra velho! Tiraram o cabresto do inverno sertanejo e ele saiu furando o miolo do mês de setembro. Parece que esqueceu o próximo início de primavera e peneira uma chuva leve desde uns quinze dias, como se não quisesse mais parar. E se é para fazer ditos da juventude com expressões do semiárido, “pense numa frieza da gota serena, que nos tempera dia e noite!” Estamos ficando pubo com a friagem dentro de casa, procurando fugir, inclusive com dois ou três pares de meias ao mesmo tempo. As unhas ficam roxas lembrando os nambus-pé-roxo que havia em nossa região. As águas dos banheiros descem da caixa “pegando fogo” de geladas e o par de queixos passa a imitar teco-teco de caveiras.
Logo cedo da noite a ausência limpa as ruas. As luzes dos postes ficam mortiças tomando banho de garranchos... (de chuva). As vias estão desertas. Completamente desertas. A carreira de árvores parece sem vida, deixando zoar nas copas quem manda mais de que elas. É farfalhar nas folhas, nos galhos hirtos. Nada na rua! Nada! Nem gato, nem cão, nem sapo, nem besouro. Uma bela, tristíssima, melancólica paisagem urbana de fim de mundo faz pensar. A impressão é que a única pessoa viva da cidade sou eu. Eu e os grilos invisíveis nas frestas que se oferecem. Crocitar irritante, permanente, sem fim, cortando e costurando o silêncio dessa noite minha. É... Dessa noite minha. Deve ser somente minha. E na noite deserta, triste, “morta” e bela, escorre lúgubre torrente de poesia. “Primo, você sente? Todo poeta é sistemático”.
Lençol quente na cama fria. Inverno doido. Inverno fora de tempo. Inverno assassino, portador da foice de lembranças que inquietam. Corredor vira prisão de passos incertos. Tchá... tchá... tchá. São os respingos, pelas portas, pelas telhas, pela vida... Ouça! É a rasga-mortalha que corta a noite, desafiando a sorte. Anunciando a ida num passeio longo. Logo o tic-tac do relógio novo vira cúmplice do tic-tac velho. Vai enganando o tempo, tapeando à noite, envolvendo o dono.
Dessa casa quando entrar...
Não entendo de abandono...
Só de amor e esperar...”
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