IR ÀS RUAS
Clerisvaldo B. Chagas, 3 de julho de 2013.
Crônica Nº 1046
A conversa surge por surgir, sem
nenhum compromisso, na roda improvisada. Um tenta cantar, depois, com vergonha
diz que não sabe segurar o ritmo. O cientista fala que cante assim mesmo, pois
brasileiro canta, mas não sabe tocar. Outro entra no berreiro e improvisa. Sem
saber a causa, alguém começa a falar em inflação. Um baixinho diz que esse
negócio de inflação é coisa moderna. Palavras e expressões chegam das cidades
maiores, cujo povo inventa palavras e cacoetes todos os dias, joga na mídia e
atropela a nossa linguagem cabocla. Freguês agora é cliente e carestia passa a
chamar-se inflação. A mulher simpática que está na roda também opina. Diz que
no sumiço de dinheiro público o pobre rouba, o rico desvia e o político
corrompe. Aí novamente voltam ao assunto da inflação. Um português tenta
explicar aos que estão de fora que na sua região o trem é culpado. Tudo era
barato, mas a inflação tomou conta porque o trem passa por ali. É como se o
apito da máquina fosse um berrante do Centro-Oeste ou búzio de vaqueiro
nordestino. Vai vender tapioca, laranja, cocada, sanduiche? Cobre caro,
aproveite o trem. E o gigante da força vai comandando a subida dos preços, na
linguagem interessante do povo da roda. “No
cabaré também é assim, fala um moreno experiente. “Tudo é caro. A bebida, o tira-gosto,
a buchada, o diabo!...”. Diante das interrogações, o moreno tenta esconder
a cabeça por trás dos ombros e diz com simplicidade ingênua: “Cabaré é cabaré”. Estou falando da zona
mesmo, do puteiro, do gamba, da gandaia... É tanto nome que o povo bota...”.
O
baixinho
volta a comentar que lugar de carestia mesmo são Maceió e Santana do Ipanema. “Lugares onde Judas perdeu as botas”. Nessas
alturas um padeiro tenta lembra algo e diz: “Ele
está certo. Há muitos anos um repentista da feira já cantava com o pandeiro:
Santana
pra carestia
Mulher
feia só no Poço
Ôi
pelado n’Àgua Fria
Cachaceiro
no Chicão
E ladrão
na Maravia”.
Repentinamente a roda desapareceu como se
formara levando a sabedoria singela do povo. E quando a cabeça começa a se
encher com tantos problemas difíceis, o divã da plebe ameniza o “X”. Ão, ão, ão,
miolo de pote é a solução! Sei lá! É IR ÀS RUAS.
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