A VELHA
LINGUARUDA
Clerisvaldo B.
Chagas, 29 de agosto de 2013.
Crônica Nº 1077
Como tudo um dia
transpira, o cabo veio, a saber, da delação de Donana. Culpa mesmo da velha que
andou badalando a língua. Pompeu armou-se de um cinto de couro e partiu para
tomar satisfações com a fuxiqueira, sua ex-informante. Ia meditando. “Bem que
poderia ter dado uma surra maior naquela velha safada. Dera apenas um
empurrãozinho besta... De nada adiantara. Ah! Linguinha da peste! Velha
descarada! ─ Ela iria ver agora com quantos paus se faz uma cangalha ─ Nojenta!
Eu não sei onde tava com a cabeça que não despachei logo aquela alcoviteira
sem-vergonha!”
Donana, na sua
própria casa, levou um tremendo susto com a chegada do cabo. O polícia não
contou conversa. Foi logo batendo na velha:
─ Tome, veia da cara
de guariba! Tome! Vá conversar merda agora, caminhe!
─ Ai! Ai! ─ gritava a
pobre Donana.
Ninguém ouviu.
Ninguém acudiu. Terminada a tarefa, o cabo deixou a velha caída no chão batido.
Sua vítima soluçava de tantas dores. Talvez até morresse da surra. “Morria nada!
─ pensou ele.─ Vaso ruim num se quebra”. Ainda se voltou da porta e disse:
─ Agora vá dizer ao
povo que fui eu quem lhe bati, veia safada! Se eu vier aqui de novo, só venho
mode cortar a sua língua, tá me ouvindo? Você nunca mais vai podê falar nada...
─ e saiu de peito lavado.
Donana secou as
lágrimas com a barra do vestido. Tentou levantar-se. Conseguiu. Curtindo sua má
sorte, caminhou até o porrão, segurando nas paredes. Tirou a tampa de pano do
recipiente e introduziu um caneco sujo na água em decantação. Colocou um pouco
na boca e bochechou. Jogou o líquido da boca no pé da parede. Bebeu alguns
goles. Fechou a porta e saiu trôpega de estrada a fora, ajeitando um pano na
cabeça e arrastando os tamancões na poeira macia. De vez em quando, parava para
olhar para trás. “Quem de uma escapa cem
ou mil anos vive. Mas ficaria calada? Ficaria o quê?! Pra que o povo quer
língua...? Num é para falar mesmo?! Deixe estar que a vez do cabo estava
marcada. O filho do cão não lhe respeitou nem a idade! Tu me paga, desgraçado!
Tu vai ver o que é uma boca de praga. Iria dizer tudo o que sabia aos romeiros
e ficaria por lá mesmo. Mestre Bilu iria lhe acudir”.
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CHAGAS, Clerisvaldo
B. Defunto perfumado. Santana do Ipanema,
Sergasa, 1982. Págs. 95-96. (romance do ciclo do cangaço).
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