sábado, 28 de junho de 2008

LAMPIÃO E VINTE E CINCO

LAMPIÃO E VINTE E CINCO
(Clerisvaldo B. Chagas-18.6.2008)

Olho d’Água das Flores é uma cidade do semi-árido alagoano. Pela fertilidade de suas terras, era grande produtora de feijão, milho, mamona, algodão e mandioca. Pertencente a Santana do Ipanema nos tempos de vila e possuindo pequeno comércio regular, aquela urbe atraía a atenção de atravessadores e caixeiros-viajantes. Situada ao pé da serra do Gavião, o lugar sempre foi “bom chovedor” e de lençol freático à flor da terra.
Virgulino Ferreira da Silva, nas suas andanças incansáveis pelos sertões nordestinos, sempre pensava em Alagoas como alvo das suas estripulias. Esta afirmação é proveniente do fato de que a “Terra dos Marechais” era, no período 1920-40, o estado mais rico do Nordeste. Assim como Matinha de Água Branca e Mata Grande tinham sido alvos de bandos de cangaceiros, Olho d’Água das Flores também não iria ficar fora da sanha destruidora de Virgulino. Na era de 20, após a frustração que teve em Juazeiro do Norte com o caso da falsa patente de capitão, o chefe do bando desceu com sua fúria para o território alagoano. Após observar de longe a Coluna Prestes, desistir de persegui-la e recolher-se a sua ira, o chefe ensandecido atropelou o estado das Alagoas, cujo governador era o também famoso Costa Rego. Foi assim que Lampião invadiu a vila de Olho d’Água cometendo atos severos e repugnantes. Mas antes Lampião não conhecia “Vinte e Cinco”.
“Vinte e Cinco” era um doido que havia na vila de Olho d’Água das Flores, segundo informações de um comerciante de bar daquele município. Lenda ou Verdade ficou registrado o caso folclórico e pitoresco colhido pelo pesquisador nos primeiros anos do século XXI naquele próspero núcleo urbano. “Vinte e Cinco”, o maluco, perambulava livremente pelas ruas da vila de Olho d’Água num dia de feriado. População recolhida em casa ou nos sítios na periferia, não tinha conhecimento de que a vila corria perigo. Virgulino estava nas imediações pronto para dar o bote. Amoitado, ansioso, arisco, o cabeça queria informações.
Lá longe, na curva da estrada, surgiu uma figura masculina que se aproximava do bando. Faquinha de cabo preto deslizando na palha do cigarro, andar cambaio, aió a tiracolo, o sujeito levou um susto desgraçado quando surgiram àqueles homens de dentro do mato, armados até os dentes.
— Bom dia, vem da vila dos Ói d’Água?
A intuição do homem não falhou ao reconhecer o tal Lampião. Gaguejou mas respondeu:
— Bom dia, venho sim senhor.
— Tem muitos macacos (soldados) na Rua?
E o pobre homem, tremendo de medo e sem malícia, falou timidamente:
— Não senhor, na rua só tem “Vinte e Cinco”.
Lampião que só contava no momento com doze homens olhou para os companheiros, pensou e disse:
— Vamo simbora, pessoá! Outro dia nós invade os Ói d’Água das Fulô.Um tiro sequer foi disparado. E foi assim que um doido chamado “Vinte e Cinco” salvou a vila de Olho d’Água das Flores. Um doido não, um herói. Pelo menos medalha de lata no peito merecia.
Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2008/06/lampiao-e-vinte-e-cinco.html

FUMO NO CACHIMBO


FUMO NO CACHIMBO
(Clerisvaldo B. Chagas-28.6.2008)

No início da minha adolescência havia uma grande variedade de pássaros na região. Como exemplos, rolinhas (branca, azul, caldo-de-feijão, fogo-pagou), galo-de-campina, zé-neguinho, soldadinho, caga-sebo, lavandeira, shofreu, azulão, anum (preto e branco), garrincha, beija-flor, sabiá, canário, coleira, papa-capim, bem-te-vi, cancão, ferreiro e muitos outros que faziam parte da vegetação de caatinga. Sobre a lavandeira e o colibri, dizia a lenda que foram eles quem lavaram os paninhos ensangüentados de Nosso Senhor. Ninguém matava lavandeira, poucos atiravam em colibris. Dizia outra lenda que enquanto a Sagrada Família escapava para o Egito, o bem-te-vi anunciava a passagem para os perseguidores com o seu canto: “bem que vi”. Nas matas nativas de Santana do Ipanema, Sertão de Alagoas, também habitavam aves como a codorniz, o nambu pé-roxo e o nambu-pé.
Afirmavam os caçadores de aves que para se obter sucesso na caçada, a pessoa teria que agradar logo a caapora, conhecida no semi-árido como caipora. Segundo eles, a caipora era o espírito que tomava conta das caças. Ao entrar na caatinga fechada, o caçador teria que deixar nas primeiras árvores um bocado de sal e fumo, este para o cachimbo da caipora que muito fumava. Depois da oferenda, o interessado fazia os seus pedidos e adentrava a mata. Se estivesse usando cachorro, este também como seu dono, estaria protegido. Caso esse ritual não fosse realizado, a caipora esconderia todas as caças e aplicaria surra terrível no cachorro que sairia ganindo pela mata.
Entre os caçadores famosos da época, década de 50, estava o Mário, profissional tão eficiente que recebera o apelido de Mário Nambu. No dia que resolvia ir à mata, Mário perguntava logo quantos nambus o cliente queria. Perguntou isso muitas vezes ao meu pai. Voltava sempre com a quantidade de aves selvagens encomendadas. Não sabemos, entretanto, se o Mário usava o ritual da caipora. Além disso, o caçador, devido a sua bela voz rouca, era um dos seresteiros preferidos para cantar músicas do cantor nacional Augusto Calheiros.
Há alguns anos um assessor de prefeito santanense revelava que o prefeito estivera em Brasília em busca de verbas. Perguntaram se o homem tinha projeto. Disseram que ele levaria verbas para o que quisesse levar, desde que tivesse projeto. Ao alegrar-se diante de tão boa perspectiva, um dos lobistas acrescentou: desde que você deixe tantos por cento para nós. Uma percentagem elevadíssima. O prefeito, surpreendido com o método morte aos iniciantes, voltou a Santana sem o dinheiro.
Não é fácil lutar contra os corruptos de Brasília. Assim como nas caçadas dos anos 50, é preciso conquistar a caipora. Colocar muito sal e fumo no cachimbo dos chaveiros brasilienses. Se levar cachorro, pior.
Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2008/06/fumo-no-cachimbo.html