segunda-feira, 7 de julho de 2008

SEBO NAS CANELAS


SEBO NAS CANELAS
(Clerisvaldo B. Chagas-7.7.2008)

Quando a meninada de Santana resolvia brincar, as ruas enchiam-se de garotos de todos os lugares. Entre os brinquedos que reinavam nas ruas sem calçamento, estavam a ximbra, o pinhão e a bola. Houve época em que as brincadeiras eram soltas sem interferência das autoridades. Depois, surgiram pelo menos dois prefeitos que não toleravam nenhum tipo de manifestação lúdica, apelando para a marcação implacável de fiscais. Duas dessas pessoas que se tornaram o terror das crianças e odiadas por elas, estavam o Aloísio Firmo e o soldado Genésio.
Aloísio Firmo, homem sério, honesto, duro, cumpridor de seus deveres como funcionário público, também era mal-humorado. Diziam que obtivera o título de juiz de menor. Isso dava direito ao Aloísio, de percorrer as ruas montado numa burra, espantando menino, tomando-lhe as ximbras. O Genésio, soldado moreno, cara feia, talvez não fosse pessoa má, contudo andava a pé acompanhando os passos do animal.
Aloísio era pai do garoto Petrúcio C. Melo, que logo cedo teve o ideal de ser locutor. Discriminado, vaiado, perseguido, Petrúcio procurou o seu destino fora de Santana e acertou em cheio. Atualmente apresenta programas de televisão em vários lugares do País, sempre com o seu prestígio em alta. É mais um caso de profeta da terra.
Mas voltando às atuações de Aloísio e Genésio, os garotos possuíam um medo triste daquela famosa dupla da era 50. Grupos de brincalhões faziam como os macacos em roças de milho, enquanto o grosso jogava, um espia arregalava os olhos na esquina. A qualquer momento poderiam aparecer os dois personagens com a burrinha estirando o pescoço, subindo a ladeira. Nesse caso, era um espanar de meninos pelas Ruas Antonio Tavares, São Pedro, José Quirino, Nova e outras mais, numa velocidade que nem bala chegava perto.
Santana começando uma vida nova, Santana querendo mudar, Santana querendo progresso. Mas os passos que se davam na política não eram tão rápidos como as carreiras dos meninos. É também de se notar que havia mais tranqüilidade no centro, na periferia. As preocupações das crianças resumiam-se nas lições da escola com o olho na palmatória de madeira reforçada ou no corre-corre geral dos arautos justiceiros.
Hoje Santana vive uma apoteose de golpes baixos que envergonha o cidadão decente. A luta pela política entra numa fase de decadência e barbárie, rememorando a Roma dos césares, sem respeito, sem moral, sem dignidade. Até parece que existe uma nova seita pregando a vida imortal com pele, osso, carne e nervos somente para políticos profissionais.  
É certo que as crianças tinham medo de Aloísio Firmo e de Genésio, mas deles nunca vomitaram com nojo do que estão fazendo agora.
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domingo, 6 de julho de 2008

Um Gênio na Feira


UM GÊNIO NA FEIRA
(Clerisvaldo B. Chagas-3.5.2008)

Alguém já disse que o governo deveria sustentar os artistas populares que viveriam para produzir o belo. Caso isso fosse concretizado, com certeza estaria na lista o cego pedinte das feiras nordestinas, Zequinha Quelé.
Criatura do Sertão alagoano, morador do sítio Travessão, Zequinha apresentava-se com o seu guia nas feiras de Santana do Ipanema e dos municípios circunvizinhos. Branco, simpático, cabelos curtos e lisos, o poeta-repentista mostrava-se bem vestido. A tiracolo usava embornal de mescla e em uma das mãos conduzia frenético ganzá de flandres. Angariava esmolas circulando pelas feiras, apoiado no ombro do guia. A outra mão agitava o objeto regulador musical da cachoeira de estrofes que jamais parava o jorro espetacular. Mandava o cliente para o céu ou lhe oferecia gratuita e vergonhosa reprimenda. Pedia versejando, agradecia versejando, perdoava ou não versejando. Às vezes o poeta agitava a mão de apoio perto da face, dando suporte ao ritmo do ganzá.
Zequinha Quelé, vate e gênio do povo, não teve a sorte de um Chico Nunes de Palmeiras dos Índios, pesquisado pelo ator Mário Lago.
Zequinha era poeta da segunda metade do século XX. A última notícia foi a de que estaria morando no município de Monteirópolis; mas isso há uns dois anos, aproximadamente.
Em São Paulo, encontrei-me com um cidadão — emigrante de Santana há três décadas — que me perguntou se Zequinha Quelé ainda era vivo. Em seguida narrou-me um fato que jamais lhe saíra da memória: O cego vinha pedindo na feira; pedindo e cantando; cantando e pedindo em alta velocidade. De repente alguém respondeu aos seus apelos: “— perdoe ceguinho, não tenho agora”. Quelé, imediatamente passando adiante, foi alertando ao desavisado no seu ritmo cachoeira:

“A bacia do perdoe
Deixei lá no Travessão
Sou homem não sou menino
Todo ser é assassino
Só meu padre Ciço, não”

A pesquisa está aberta. Da minha parte, foi o mínimo e o máximo que pude fazer pelo gênio esquecido; personagem marcante das feiras do meu estado.

· Especial para a ACALA e para o escritor Antonio Machado
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