quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A RAINHA DO RIO

A RAINHA DO RIO
(Clerisvaldo B. Chagas. 13.11.2009)

Estamos no semi-árido alagoano, em época de estiagem. É tempo em que o viajante se depara com um cenário nada animador. A caatinga original ou mesmo a capoeira muda completamente a coloração passando dos matizes verdes para a cor cinza, feia, monótona, sapecada. Com a perda da folhagem o mato fica mais feio ainda, apresentando a terra esturricada. Tremendamente esquelético os garranchos parecem representar fielmente as últimas esperanças dos viventes sertanejos. Nos lombos dos montes os granitos esbranquiçados assemelham-se às feridas abertas a doer nos vegetais. Em diversos lugares do campo não se vê mais animais selvagens, com raras exceções. Uns morreram outros fugiram ao rigor da natureza. A produção de frutos é interrompida, os passarinhos desaparecem e a paisagem fica morta. O silêncio toma conta das capoeiras, somente quebrado quando passa a resistente lagartixa, o nervoso calango ou mesmo o vento morno dando lapadas nos galhos finos. Entra uma tristeza funda no coração de quem vive da terra; de quem ama o semi-árido; de quem poetiza as montanhas. É, porém, nessa ocasião tão desfavorável que, isolada ou em grupos aparece a craibeira.
Árvore sertaneja de alto porte, linda e elegante, contrasta na paisagem vestida inteiramente de amarelo vivo, a Craibeira. Sua floração acontece em novembro/dezembro, quando é encontrada em plena nobreza nas areias salinas dos riachos sertanejos. Dizem que sua ótima florada é sinal de bom inverno no ano seguinte. Falam também que onde tem craibeira tem olho d’água. Essa árvore serviu muito ao sertanejo cooperando com várias peças nas confecções de carros de bois. É bruta e nobre ao mesmo tempo. Com muita justiça a Craibeira foi declarada a árvore símbolo de Alagoas no governo Geraldo Bulhões.
Para nós sertanejos isso não deixa de ser motivo de orgulho, pois entre tantas outras árvores do Agreste, da Zona da Mata, do Litoral, o título ficou com a nossa craibeira.
Quem vem do mar em direção ao sertão alagoano, encontra a craibeira, principalmente, ao entrar no semi-árido. Por Palmeira dos Índios, a partir da fronteira (não rigorosa) do rio Traipu, imediações da cidade Estrela de Alagoas. Vindo por Arapiraca, também a partir desse rio, entre os municípios de Jaramataia e Batalha. Em Santana, encontramos craibeira em ruas, na periferia, no rio Ipanema, nos riachos Camoxinga, Gravatá e outros, tanto isoladas quanto agrupadas; um espetáculo impagável.
No meu livro paradidático (primeira incursão a pé das nascentes a foz do rio Ipanema) intitulado IPANEMA UM RIO MACHO, eu digo que não encontrei nenhuma árvore mais elegante, bonita e majestosa de que a craibeira. Mesmo tendo sido no mês de janeiro, ainda registramos bela floração. Ela sozinha domina a paisagem, parecendo uma noiva entrando na igreja, mas toda de amarelo. Foi por isso que lhe dei o pomposo título de “RAINHA DO RIO”.

Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2009/11/rainha-do-rio.html

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

AS VIAGENS DE SÃO PEDRO

AS VIAGENS DE SÃO PEDRO
(Clerisvaldo B. Chagas. 12.11.2009)

Ainda no tempo de adolescente, ouvi uma narrativa que, se foi escrita não conheço o autor. A narrativa dizia que São Pedro dirigiu-se a Deus e disse que havia batido certa saudade da Terra. Pediu para passar uns três dias por aqui como uma espécie de folga. Deus ouviu as razões de São Pedro, requisitou outro santo para a portaria e entregou o passaporte ao seu funcionário. São Pedro desceu satisfeito e começou a passear na Terra. O tempo estava bom; fartura em todos os lugares; povo de barriga cheia e festas eram o que mais havia. São Pedro empolgou-se e foi gostando tanto que quando se lembrou do céu estava dentro dos trinta dias. Ficou preocupado e subiu rapidamente às nuvens. Deus perguntou, então, por que o santo demorou tanto, pois só havia autorizado uma folga de três dias. São Pedro contou as maravilhas da Terra diante de tanta bonança e alegou esquecimento do compromisso. Deus, tocando no ombro do ex-apóstolo, indagou: “E eles falam em mim, Pedro?” São Pedro respondeu: “Não ouvi, não, Senhor. Nem uma só vez”. Deus nada censurou e pediu ao santo que fosse cuidar dos seus afazeres.
Certo tempo após a vinda a Terra, São Pedro foi mais uma vez a Deus com o mesmo argumento. Dessa vez pediu logo os trinta dias com medo de uma falha de memória. Deus consentiu de novo e São Pedro desceu. Surpreendentemente com apenas dois dias, o santo estava de volta ao céu. Deus fingiu admiração e lembrou que o porteiro chegara com muita antecedência do prazo estipulado. Será que Pedro esquecera mais uma vez? Justificando, o viajante argumentou que a Terra estava uma porcaria. Secas, enchentes, terremotos, furacões estavam acontecendo constantemente. Havia muita fome, perseguições, guerras, desabrigados e muitos prantos. A violência era uma infâmia e as nações não se entendiam. Após todo o relatório, Deus perguntou como da primeira vez: “E eles falam em mim, Pedro?” E o santo respondeu meio tristonho: “Ah, Senhor, só é em quem falam. Procissões, cultos, missas, promessas, novenas e todas as formas de pedidos ao Pai Eterno”. O restante da narrativa ficou restrito ao céu porque Deus pediu que não vazassem informações.
Atualmente a poluição vai danificando irremediavelmente o planeta. As geleiras vão derretendo, os oceanos invadindo as terras, as nascentes dos grandes rios desaparecendo, animais e homens morrendo de fome e sede. Surgem mais desertos, mais conflitos e mais desentendimentos entre o gênero humano. Os ventos terríveis varrem os continentes, os maremotos horrendos tremem os mares. Contra todos os tipos de violência não há mais lugar seguro aqui em baixo.
Na verdade, nós estávamos falando mesmo era das excursões de Pedrinho ao nosso planeta. Como perdemos o acesso às informações das alturas, ficamos sem saber qual seria o próximo pedido do nosso querido santo. Se fosse hoje, quanto tempo duraria AS VIAGENS DE SÃO PEDRO?


Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2009/11/as-viagens-de-sao-pedro.html