terça-feira, 10 de maio de 2011

ZÉ DA LUZ

ZÉ DA LUZ
(Clerisvaldo B. Chagas, 11 de maio de 2011).
(Para a sensibilidade de Carlos Henrique)

          Provocado pelo Mural de Recados do nosso blog, resolvo, então, lembrar um pouco do assunto comentado pelo empresário Carlos Henrique. Severino de Andrade Silva (o Zé da Luz) nasceu em Itabaiana-PB, em 29 de março de 1904, tendo falecido no Rio em 12 de fevereiro de 1965. Alfaiate de profissão foi poeta de grande sensibilidade criativa e publicava seus versos em forma de cordel. Gostava de fazer como Catulo da Paixão Cearense de interpretar a linguagem do caboclo nordestino na forma poética conhecida como “poesia matuta”. Apesar de famosos literatos condenarem a linguagem cabocla no mundo literário, isso não exclui o mérito das grandes composições. Todos os repentistas nordestinos aprendem cedo que o principal documento do poeta é a “criação”. É construir imagens nunca antes criadas. Lembro-me perfeitamente da década de 60 quando a “poesia matuta” estava no auge. Declamavam-se versos de Catulo e Zé da Luz, nos clubes sociais, nas escolas, no meio da rua. Causei muito riso declamando no Ginásio Santana e nos mais diferentes lugares. O empresário Sinval, que possuía alambique em Santana do Ipanema, era um ótimo declamador matuto. As páginas de maior sucesso eram “A Cacimbinha” e “Flor de Puxinanã” na parte humorística. Adormecida por longos anos, a poesia matuta volta à moda com bons declamadores, assim como Amazan. Publiquei um CD de poesia matuta, “Sertão Brabo”, dez poemas engraçados. Mas quando se fala na mistura de criatividade e sensibilidade, deixamos aqui o poema de Zé da Luz, que tanto recitei como um brinde aos nossos leitores e um preito ao grande poeta paraibano.

AI SE SESSE!

Se um dia nós se gostasse;
Se um dia nós se queresse;
Se nós dos se impariasse
Se juntinho nós dois vivesse!
Se juntinho nós dois morasse
Se juntinho nós dois drumisse;
Se juntinho nós dois morresse!
Se pro céu nós assubisse?
Mas porém, se acontecesse
qui São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse,
te dizê quarqué toulice?
E se eu me arriminasse
e tu cumigo insistisse,
prá qui eu me arrezorvesse
e a minha faca puxasse,
e o buxo do céu furasse?...
Tarvez qui nós dois ficasse
tarvez qui nós dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virge tôdas fugisse!
ZÉ DA LUZ





Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2011/05/ze-da-luz.html

segunda-feira, 9 de maio de 2011

RUA DA FRENTE

RUA DA FRENTE
(Clerisvaldo B. Chagas, 10 de maio de 2011).

          Visitando algumas cidades ribeirinhas do São Francisco, notei que todas elas têm uma rua chamada Rua da Frente. Interessante é que a rua da frente ─ para nós ─ é aquela principal, muitas vezes a maior, a mais larga, a mais importante. Nas cidades ribeirinhas, a entrada de muitas delas tem cobertura asfáltica, chegando por trás. É que esses núcleos urbanos, assim como seus povoados, foram construídos virados para o caminho natural da época, que era o rio São Francisco. A rua da frente, portanto, era a primeira em ordem de afastamento da corrente e representava privilégio para o morador, possuir a moradia bem perto do leito do rio.
          Na segunda década do Século XX, quando automóvel ainda era uma coisa rara, principalmente nos sertões longínquos, os rios desempenhavam papel importantíssimo em todos os sentidos. Além do peixe que alimentava pessoas e comércio, eles permitiam o deslocamento dos viajantes entre o litoral e o interior, através de variados tipos de embarcações, desde a simples canoa aos luxuosos navios. Na região do São Francisco, havia um comércio intenso com a exportação de mercadorias sertanejas como queijos, cereais, peles, madeira, rapadura; e importações como ferramentas, sal, açúcar, bebidas, tecidos, remédios e calçados. À medida que povoados, vilas e cidades expandiam-se, crescia a importância do transporte fluvial pela ausência de estradas de rodagem e escassez de veículos de cargas como o caminhão. Não se desmatava tanto permitindo o assoreamento de afluentes e do rio principal das bacias. Os navios, portanto, tinham condições de navegabilidade ─ no caso do rio São Francisco ─ da foz, perto de Piaçabuçu, até o núcleo de Pão de Açúcar. Temos até narração de escritor sertanejo de Alagoas, de como chegou ao Rio de Janeiro, iniciando o trajeto a partir de Santana do Ipanema, por terra, Pão de Açúcar a Propriá navegando pelo Rio da Unidade Nacional. Pão de Açúcar, segundo núcleo em importância na época, só perdia para Penedo, tal o movimento do porto entre embarcações, carros de boi, cavalos, burros e gente. Era por isso tudo que se constituía um privilégio a moradia na rua principal, a rua da frente, a que contemplava e participava de todo movimento de uma cidade ribeirinha.
          Vê-se, então, acima, que a rua da frente, com seus casarios compridos, portas e janelas típicas de madeira frisada, representava uma elite, uma nobreza local que participava de todos os eventos sociais, como desfiles, coretos para bandas de música, Carnaval, fogueiras de São João e procissões aquáticas. Queremos dizer que a rua da frente participava e dava o melhor de si, para o progresso da cidade onde se encontrava encravada.
          Como dizia o poeta Zé da Luz, “mal comparando”, as pessoas, lá longe, parecem cidades. Somos cheios de vícios, medos, esperanças e egoísmos. Somos, então, ruas do vício, do medo, da esperança, do egoísmo. Difícil mesmo para a humanidade é possuir a nobreza virtuosa da RUA DA FRENTE.





Link para essa postagem
http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2011/05/rua-da-frente.html