sexta-feira, 27 de maio de 2011

OS TRÊS POTES DE LABAREDA

OS TRÊS POTES DE LABAREDA
Clerisvaldo B. Chagas, 27 de maio de 2011.

          Dia e noite trabalhando sobre o cangaço, ordenando uma pequena e grande enciclopédia, temos a impressão de que em um mês e meio, aproximadamente, daremos por concluído o trabalho. Estamos na ordem inédita do assunto, ano a ano, mês a mês e quando possível dia a dia, desde o nascimento de Virgulino até o destino dos dois últimos cangaceiros, em 1941, Moreno e sua mulher Durvalina. Vamos selecionando os grandes momentos filosóficos, aliás, essas tiradas, quando da parte de Lampião, estão em nossa peça teatral para adultos, nunca publicada, “Sebo nas canelas, Lampião vem aí”. Falemos hoje sobre falta de respeito.
          Na época em que Virgulino perambulava entre Bahia e Sergipe, a partir de agosto de 1928, aconteceu um dos casos interessantes. O bando estava reunido no terreiro de uma casa, onde foi promovido um improvisado arrasta-pé. Em uma sombra de árvore, próximo ao forrobodó, descansavam três potes com água fria para quem quisesse beber. O baile estava animado, quando Lampião resolveu amarrar com um pano as bocas dos três depósitos de barro, por causa da poeira que levantava das alpercatas. Ordenou aos cabras que sempre cobrissem os potes após beber água. O cangaceiro Ângelo Roque, um dos grandes do bando, não participava dessa dança, tendo ficado deitado perto dos potes com sua mulher. Como acontece com uma porta fechada que muitos passam e não deixam como estava antes, assim os que bebiam água deixavam os potes descobertos. Lampião, vendo desfeito seu trabalho, gritou para todo mundo ouvir que não estavam fazendo como ele mandara. E advertiu asperamente a Ângelo Roque que estava perto, deitado, descansando com a mulher e “não estava vendo aquilo?”. Labareda não respondeu. Momentos depois se levantou e, com o coice da arma longa, destruiu os três potes, voltando ao colo da mulher. Daí a pouco chega Zé Baiano para beber água e vê a bagaceira. Pergunta quem fez aquilo. O autor responde que foi ele “por quê?” Zé Baiano não responde e vai dizer ao chefe. Lampião se desloca com muita raiva até Ângelo Roque. O cabra levante-se e aguarda. O chefe diz: “Então você não me respeita mais?” Labareda, homem de personalidade firme, diferente de todos os outros do bando, responde: “Por que você também não me respeita”. Lampião mira o cabra por um momento e arma o fuzil contra ele, recebendo resposta semelhante. Ficam assim tentando atirar um no outro, até que chega Virgínio, cunhado de Lampião, apelidado Moderno, e pede para acabar com aquilo, pois já basta os “macacos” (soldados) por todos os lugares. Ambos se acalmam e o impasse tem fim.
          Digitando, ordenando, conferindo, armazenando dados, aos poucos vamos livrando o rosto da pilha de papéis velhos. Não deixamos de encontrar situações atualizadíssimas do cotidiano. Quer ser respeitado? Respeite primeiro. Então surge a situação do funcionalismo público de Alagoas mantido em cativeiro moral e econômico, ridicularizado pela gargalhada do senhor de engenho Teotônio Vilela Filho. Como um governador pode ser respeitado se primeiro não respeita? O confronto entre servidores e governo representa nitidamente o passado cangaceiro dos TRÊS POTES DE LABAREDA.


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quarta-feira, 25 de maio de 2011

SÓCIO DO DIABO

SÓCIO DO DIABO
Clerisvaldo B. Chagas, 26 de maio de 2011.

          Com a nossa incursão por muito tempo pelo mundo dos cantadores nordestinos, depositamos inúmeras pequenas histórias que se tornaram imortais. Como iniciante na arte ou como apologista, ficamos impregnados do mundo mágico da criatividade, sensibilidade e beleza da poesia fabricada na hora, da melhor qualidade e aos borbotões. Muitos anos antes de penetrar nesse mundo maravilhoso do repente, conhecemos um apegado apologista, já tocado por nossos trabalhos anteriores. Antes, vivíamos às voltas com Bilac, Pederneiras, Varela e outros da Literatura. Hermínio Tenório, o Moreninho, dono de farmácia, prático de Medicina e boêmio de farras colossais, repetia e repetia passagens marcantes das grandes cantorias. Gostava também de recitar Catulo, Zé da Luz e Castro Alves. Moreninho tinha predileção pelo famoso encontro em Alagoas de Manoel Neném com Joaquim Vitorino. Manoel Neném era, então, o predileto dos grandes de Viçosa, onde residia. Joaquim, de solo pernambucano. A abertura do encontro ansiosamente esperado foi assim:

“Sou Joaquim Vitorino
Filho do velho Ferreira
Natural de Pernambuco
De Afogados da Ingazeira
Sou o maior cantador
Dessa terra brasileira”

          O representante alagoano de origem pernambucana, respondeu:

“Eu sou Manoel Neném
Cantador que não se braia
Sou vento rumorejante
Nos coqueirais de uma praia
Sou maior que Rui Barbosa
Na Conferência de Haia”

          O salão foi abaixo com o início e o desenrolar da cantoria. Vitorino foi muito aplaudido, gerando ciúmes e terrível inveja naquele que ainda não enfrentara um gigante igual a Joaquim. No final, lá nos escuros do terreiro, Manoel Neném partiu para apunhalar o adversário, mas foi seguro por um dos figurões que disse: ”Um canário desse não se mata em Alagoas”.
          Vimos assim que a inveja está em todos os lugares, desde o mundo encantado da poesia aos salões de velhos gabinetes. O invejoso é um frustrado tão profundo que mata com o olhar, com bruxaria, colocando pedras nos caminhos, anonimamente desvalorizando. Julga-se invisível nas suas nuances maquiavélicas, mas são facilmente detectados pelos galos de calejados esporões. O prezado leitor já foi vítima da inveja? Não acredita? Rezemos, então, ao anjo de guarda do (a) seca-pimenteira porque ser invejoso é ser SÓCIO DO DIABO.





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