quinta-feira, 3 de novembro de 2011

PERSONAGEM DE ROMANCE

PERSONAGEM DE ROMANCE
Clerisvaldo B. Chagas, 4 de novembro de 2011

Quando bati o olho naquele personagem inusitado, logo o imaginei um dos tipos secundários dos meus romances. Toquei levemente na minha acompanhante e disse cochichando: “Veja que velhinho duro e altivo! Chapéu panamá, camisa branca de mangas compridas; baixo, magro, revela ser um tipo de pessoa próspera ou importante da Maceió da primeira metade do século vinte”. Veio-me a curiosidade observando o homem que falava baixo e normal naquela sala de repartição pública. Ao subirmos para o quarto andar, o mesmo cidadão chegara primeiro do que nós. Iria aguardar a sua vez de ser atendido. Continuei com o olhar sobre ele. Outro senhor, admirado como eu, puxou conversa com o nosso figurante que afirmou possuir noventa e seis anos. Estava acompanhado de sua senhora, baixinha, cuja idade eu não soube precisar, porém não teria menos de oitenta. Notei que lhe faltava quase toda orelha direita. A única coisa que destoava da sua elegância era o cinto colorido que representava o seu bom humor. Saí pescando pedaços do diálogo que ele travava com o outro cidadão, cujo tema era as primeiras ferrovias de Alagoas.
Segundo ele, a primeira ferrovia não era dos ingleses, mas sim de um alagoano irmão de um dono da Usina Sinimbu. Não tenho muita certeza se foi assim que ouvi. Contou ainda que, ao surgir o primeiro trem na cidade de Viçosa ─ Zona da Mata Alagoana ─ A população simples do lugar, cobria o maquinista de muitos presentes, tudo em nome do “santo trem”. Galinhas, patos, perus, engordaram os maquinistas da época. Enquanto sua esposa servia-se de um cafezinho, o personagem falava da ronda do Zepelim por essas bandas e, zombava da própria mulher “que não se sentia bem nos primeiros automóveis”, mas ele, sim. Conversava em pé. Não queria sentar. Revelou que possuía uma perna de ferro, por dentro, consequência da queda de um coqueiro. Quando perguntado sobre a saúde, afirmou que somente usava açúcar de fazer rapadura: “Esse açúcar alvinho que se usa hoje, contém muita cal e desgraça com o homem!” Chamada e atendida, a nossa atração despediu-se dos presentes, colocou sua mulherzinha debaixo do braço e saiu tão faceira, quanto chegara. Jamais tirara o chapéu que parecia colado ao cocuruto, derreado por cima da  sumida orelha.
Inconformado com sua partida, eu disse jogando às suas costas: “Volte amanhã para conversar mais!” Os presentes riram. Notei que todos estavam com inveja da saúde do nonagenário. Ficou um vácuo na sala com a saída do meu novo admirado. Então, para disfarçar, cada um que fosse contar vantagem sobre idosos que faziam parte da família. Suspirei. O mínimo que eu poderia fazer seria produzir uma crônica. Estava maluco para chegar a casa e escrever com nitidez sobre mais esse PERSONAGEM DE ROMANCE.



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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

GALOPANDO A CRISE

.GALOPANDO A CRISE
Clerisvaldo B. Chagas, 3 de novembro de 2011

Foram tantas as notícias valorizando o mal do ex-presidente Lula, que a imprensa esqueceu a importante viagem da presidenta Dilma a Europa. Vistos com olhares esquerdos, antes, os emergentes agora são olhados como alavancas para a salvação da crise mundial. As lições que outrora marcaram o rigoroso e odiado FMI sobre os países em desenvolvimento, voltam os bicos dos frascos para suas próprias bocas. Em todos os momentos cabem provérbios nordestinos, porque eles foram formulados na sabedoria popular através da vida em todos os aspectos. Portanto, bem podemos dizer sobre a crise europeia que arrasta a asa para o globo: “Na casa que falta o pão, todos brigam e ninguém tem razão”. Seja nordestino ou não seja o ditado revela uma verdade. E se o amigo já viu um tiroteio em feira-livre do interior, pode imaginar a correria nervosa das lideranças europeias, nesse momento de aflição. Temos o sistema de compra e venda como bois possantes rebocando o carro. Colocaram carga demais na mesa de craibeira ou esqueceu-se de dá comida aos bois. Coitado do carreiro!
Ontem, quarta-feira, em pleno dia de finados, Dilma iria se reunir com o seu colega chinês, Hu Jintao. E a velha Cannes, tão badalada cidade francesa dos tempos dos grandes festivais de cinema, vai saindo do mundo da fantasia para oferecer lugar ao encontro político concreto de Dilma e Hu Jintao. Um parceiro diferente, uma situação inusitada, fruto das diversificações necessárias do mercado. A 6ª Cúpula do G20, não nos parece uma das folgadas reuniões de um passado não tão distante assim. A amiga já brincou de pular corda? É uma brincadeira de adolescente que se inicia com suavidade até que chega a ordem do chamado pinga-fogo. É nesse momento crucial que se testa a habilidade de quem pula. Pois essa tal cúpula do G20, nos parece um teste desafiador de pinga-fogo. Ali estarão às vinte maiores economias do mundo, discutindo como puxar a carne do fogo sem queimar os dedos. Será que estarão por ali, os fiéis escudeiros Guido Mantega e o também competente Antonio Patriota? O certo é que todo mundo espera muito de todo mundo. Quando encerrar o espetáculo francês, veremos se tem carne na cuia da farinha.
A agenda do encontro do G20, em Cannes, tem início oficialmente nesta quinta. Haverá cerimônia, almoço, jantar, sessões de trabalho e muitas “coceiras” pelas laterais. Com certeza é o assunto da crise que dominará a cúpula. A pimenta de Cannes deverá arder muito mais do que a malagueta da Bahia. Enquanto isso, melhor rezar para os mortos, tomar o nosso banho de mar e contemplar o horizonte. Para quem preferir, é somente colocar as esporas, montar e sair GALOPANDO A CRISE.


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