quinta-feira, 2 de março de 2017

OS FANTASMAS DOS ATOLEIROS




OS FANTASMAS DOS ATOLEIROS
Clerisvaldo B. Chagas, 3 de março de 2017
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.640

Foto: ( G1).
O Brasil que gosta de imitar os outros países não copiou o desenvolvimento ferroviário dos Estados Unidos. Perdeu muito feio o miolo da história e foi atraído pelo canto da sereia. País Continental preferiu apostar em rodovias o que até hoje causa problemas considerados eternos. Se um trem transporta o equivalente a 400 carretas, imaginem o barateamento do frete aqui dentro e a capacidade de concorrer lá fora. Mas “o que está feito não se está para fazer” como diziam os mais velhos. Agora é correr até cair os cambitos atrás do prejuízo de dezenas de décadas. Corre-se atrás dos prejuízos das rodovias, das novas redes ferroviárias e a recuperação das sucatas. São milhões e milhões de reais perdidos que poderiam ter sido destinados ao social para melhorar a qualidade de vida da população. Veja um exemplo:
“O tráfego de veículos da BR-163 — rodovia conhecida como Cuiabá-Santarém — no trecho entre as localidades de Trairão e Novo Progresso, no Pará, está interrompido há algumas semanas, o que provocou uma fila de 40 km e cerca de 3.000 caminhões no local. O Ministério da Integração Nacional e o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) admitiram o problema”.
Mas a sereia não cantou somente na rede de transportes do Brasil. Lembramos da época em que o Major Luís Cavalcante, conhecido como “O Major”, era governador de Alagoas. Depois de muita pressão popular no Sertão, construiu a Adutora de Belo Monte, trazendo água encanada do São Francisco para Santana do Ipanema e outros municípios. E no dia da inauguração, em Santana, enquanto seus bajuladores tomavam banho em praça pública com água dos canos, o Major discursava. Depois de dizer que naquele dia só não iria beber o sino e o ovo, explicava sorridente, ébrio de contentamento: “O ovo porque já está cheio e o sino porque tem a boca pra baixo”. E nós, o povo besta, ria acompanhando as piadas do governador. Por fim, o Major mandou que a partir daquele momento, os sertanejos quebrassem todas as cisternas que jamais iria faltar água no Sertão. Muitos cabras azoados assim o fizeram. Daí para cá nem precisa dizer, pois todos conhecem de sobra às aflições sertanejas nordestinas.
O maior atoleiro do momento, porém, se encontra em Brasília quando os bonecos engravatados, ladrões, gananciosos e infernais, desfilam pelos gabinetes imitando cenas de filmes de horror. Um espetáculo sombrio de pântanos em que as almas penadas, os fantasmas pairam sobre o lamaçal nebuloso e dantesco. Ê Brasil!

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quarta-feira, 1 de março de 2017

SOBREVIVENTES DA FOLIA



SOBREVIVENTES DA FOLIA
Clerisvaldo B. Chagas, 10 de março de 2017
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica 1.639
Ilustração (Cultura-Estadão).
Repete-se o ciclo e finalmente março de novo. Para uns, o mês das águas, para outros, o primeiro dia de real trabalho no Brasil. Terceiro mês do ano no calendário gregoriano e um dos sete meses com 31 dias. O nome março surgiu na Roma Antiga, quando era o primeiro mês do ano e chamava-se Martius, de Marte, o deus romano da guerra. Em Roma, onde o clima é mediterrânico, março é o primeiro mês de primavera, bem como para que se comece a temporada de campanhas militares.
Para a grande maioria do trabalhador do Brasil, apenas um mês longo, sem feriado e início da dureza. A classe política de Brasília nem está dormindo direito, aguardando ansiosos certas rebordosas que irão despontar neste mês de guerra. No rio São Francisco, como sempre, inúmeros afogamentos das nascentes à foz. Em Pão de Açúcar morrendo uma policial do estado sergipano. No interior de Alagoas, acaba-se o tão falado Carnaval de Piranhas que durou alguns anos polarizando a festa de Momo. É isso que dizem os foliões santanenses que sempre se deslocaram para o rio. E Pão de Açúcar como opção capricha na alta temperatura (terceira do Brasil) desestimulando muitos aventureiros em direção a terra Espelho da Lua.
Com muita zuada e quase ninguém nas vias, agoniza os velhos carnavais santanenses que parecem enjoados nesses tempos modernos. No Sertão inteiro, os que não estão pulando sem graça, dividem-se entre às próprias residências, chácaras, fazendas e sítios torrados pela seca. Entram na cachaça à sombra do alpendre, dos juazeiros, das algarobeiras.
Em Olho d’Água das Flores, é dia tradicionalismo em contar os bêbados logo pela manhã em famoso beco da cidade.
Chega a tão odiada pelos bebões quarta-feira de cinzas, mas abraçada pela fé católica como início da Quaresma; período de quarenta dias em que se aproveita para uma faxina negativa e reconciliação com o Grande Arquiteto do Universo. Isso faz lembrar o saudoso vereador santanense Zé Bodinho: “Não bebo durante a Quaresma de modo nenhum”.
E nesse amanhecer de março, enquanto uns estão ainda roncando jogados nas vielas, lambidos pelos cachorros e outros contam os bêbados dos becos, a Igreja abre as portas para cruzar a testa dos fiéis com cinzas bastante significativas. Afinal, tudo vira cinzas mesmo, apreciadas pelos sobreviventes da folia.






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