segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

NÓS E OS RIACHOS

NÓS E OS RIACHOS
Clerisvaldo B. Chagas, 26 de fevereiro de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.068

RIO IPANEMA. (FOTO: B. CHAGAS).
       Certa vez escrevemos sobre o isolamento das nossas paisagens, sobretudo dos nossos riachos. Pequenos, médios, alongados, tão humildes no verão, tão alegres no inverno. Esquecidos pela humanidade tornam-se invisíveis como pessoas idosas nos recantos da casa. Somente os fatos relevantes negativos ou positivos, fazem-nos brilhar nos noticiários e nos interesses dos que buscam. Veias de uma rede que alimenta os grandes rios que nutrem os bravos oceanos. Exemplificamos um desses riachos da nossa terra, conhecido como João Gomes. Quando não havia ponte sobre ele no trecho Santana do Ipanema – Olho d’Água das Flores, bem que o nosso riacho tinha prestígio. No período chuvoso descia violento interrompendo o trânsito por vários dias seguidos. Aí sim, todos falavam sobre ele com respeito danado e medo de afogamento.
        Foi às margens do João Gomes que nasceu o escritor Oscar Silva, tão bravo na sua sobrevivência quanto o riacho que o viu nascer. Mais tarde escreveria, em contexto, que nenhum geógrafo do Brasil o conheceria e nem iria conhecê-lo. Seu conterrâneo tornou-se geógrafo e o conheceu. Mas depois da ponte, de fato nunca mais houve manchete, assim como as eternas do riacho Ipiranga. Mas se o riacho João Gomes pensasse como gente, o que diria do colega de Minas Gerais, o córrego do Feijão? No Nordeste chamamos riacho, no Sudeste, córrego. Então, é melhor ser humilde e ter a honra de ter originado um filho escritor ou ter ganhado a fatalidade que ocorreu no Brumadinho? Tem a fama para cima, tem a fama para baixo. E, não podemos esquecer o poeta que disse: “Água corrente/água corrente/teu destino é igual/ ao destino da gente”.
       E o meu Sertão continua repleto de capilares, de veias, de artérias, alimentando os grandes, os famigerados, os mitológicos, pavões atrativos do mundo. Fiquemos assim com a modéstia incondicional do João Gomes, do Camoxinga, Bola, Tenente, Salobinho, Desumano, Farias, Tigre, Jacaré que nutrem o Capiá, o Traipu, o Ipanema, o Riacho Grande... Suportes missionários do “Velho Chico”, nutricionista do Atlântico.
       “Água corrente/água corrente...”.



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O CARRO DE LAMPIÃO



O CARRO DE LAMPIÃO
Clerisvaldo B. Chagas, 26 de fevereiro de 2019
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2.067

       Escreveu o escritor Oscar Silva: Quando a Coluna Prestes passou pelo Nordeste em 1924, aos meus nove anos de idade, nossa cabeça infantil foi ficando confusa, misturando as notícias dos revoltosos com as primeiras e verdadeiras histórias de Lampião, de que íamos tendo conhecimento.
       Até pouco tempo, pertencendo ao grupo dos Porcino, não passava ele de um simples Virgulino Ferreira da Silva, cabra de Antônio Porcino. Como também o eram seus irmãos (...) desviados em 1918, da profissão de tropeiro a de matadores de gente.
(...) Em 1926, Lampião achou de fazer umas visitas a quase todos os municípios e distritos sertanejos. Entrou em Olho d’Água das Flores, com 106 cabras bem montados, a corneta tocando na frente. Percorreu outros distritos e ameaçou beber água do Ipanema dentro mesmo de Santana. A cidade preparou-se para recebê-lo. Em todos os becos e bocas de estradas, as sacas de lã formavam trincheiras à espera do Rei do Cangaço. Dia e noite cruzavam as ruas homens e soldados fuzis e rifles ao ombro, cartucheira na cinta e medo no coração. O menor ruído, o mais leve sinal era bastante para que as trincheiras se enchessem de homens. Em um desse dia, o sol queimava a caatinga e banhava a cidade de luz. Ao lado do serrote do Cruzeiro levantou-se a poeira e veio vinda estrada afora, direção à rua. Um grito ecoou pela cidade inteira:
        -- ‘Lampião!’
       Corriam homens em todas as direções. Mulheres e meninos tremiam dentro de casa. Os ferrolhos dos fuzis e alavancas de rifles faziam lacolaco atrás das sacas de lã (...). O carro de boi desceu a ladeira, as palhas da tolda reluzindo ao sol. Vinha para a cidade uma família santanense que corria do grupo de cangaceiros. Os homens se recolheram. Arrefeceu o pavor geral. O riso invadiu a cidade. E, quando o carro foi entrando, já se dizia pilhericamete:
       -- Vai entrando o carro de Lampião.
       Isto aconteceu. Isto em vi. (22).
Extraído do livro:
CHAGAS, Clerisvaldo B. & FAUSTO, Marcello. Lampião em Alagoas. Maceió, Grafmarques, 2012. Págs. 150-151.



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